O Globo, n. 32668, 15/01/2023. Opinião, p. 2

A democracia sobreviveu, mas riscos persistem



Passada uma semana do mais violento ataque à democracia e às instituições brasileiras desde a redemocratização nos anos 1980, o país pode tirar algumas conclusões, mesmo que polícias e órgãos de controle ainda se dediquem à tarefa óbvia de apurar responsabilidades. A primeira delas é que, a despeito dos danos, a democracia resistiu bravamente.

Foi simbólica acenados chefes dos três Poderes descendo a rampa do Palácio do Planalto juntos, em meio aos escombros deixados pelos vândalos bolsonaristas. Desde o início, Executivo, Legislativo e Judiciário reagiram de forma uníssona para condenar os “atos terroristas ”. Ganhou peso a resposta firme de governadores dos 26 estados e do Distrito Federal( DF ), independentemente de colorações partidárias. O repúdio às ações criminosas em Brasília veio de toda parte, de dentro e de fora do país. Empresários, políticos, chefes de Estado e de governo, entidades multilaterais como ONU e OEA e até o Papa Francisco se solidarizaram com o Estado brasileiro, isolando a minoria golpista. Mesmo rachada, a população brasileira se mostra unida contra a barbárie. Pesquisa de opinião revelou que a imensa maioria repudia os atos insanos de 8 de janeiro.

Para que o golpe fracassasse foi fundamental a resposta rápida e firme do Judiciário. Decisões monocráticas do ministro Alexandre de Moraes, do STF, como o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), e os pedidos de prisão do ex-ministro e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres e do ex-comandante da PM do DF Fábio Augusto, foram avaliadas e referendadas pelo plenário da Corte, como deve ser. A tolerância zero com atos antidemocráticos que bloqueiam estradas ou depredam patrimônio público também se mostrou eficaz para impor limites aos baderneiros. Significa que está tudo bem? Não. A situação ainda exige cautela, pois as ameaças persistem. Está claro que não foram apenas inépcia e omissão das autoridades que empurraram as hordas golpistas para a Praça dos Três Poderes. Foi também conivência de quem deveria zelar pelo patrimônio público. São inaceitáveis as imagens de PMs tirando selfies com manifestantes enquanto Brasília era saqueada. Ou de militares agindo como meros espectadores.

“Nosso sistema de freios e contrapesos foi absolutamente atropelado”, diz o cientista político Carlos Melo. “Instituições importantes, como as Forças Armadas e a Polícia Federal, foram aparelhadas. A sociedade não pode permitir que instituições impessoais sejam sequestradas por quem está no poder. É preciso mais cobrança e mais vigilância”, diz Melo. Causam perplexidade também as falhas gritantes dos sistemas de inteligência e segurança. É inacreditável que seja tão fácil invadir, depredar e profanar. É urgente que se reforce a segurança, e não só das instituições. A derrubada de torres de transmissão mostrou que o esto quede atos terroristas não se esgotou.

As polícias já prenderam mais de mil golpistas, e estão em curso investigações para descobrir quem organizou, financiou ou incentivou os ataques. É fundamental que as apurações sejam transparentes e que se dê amplo direito de defesa aos acusados, sem qualquer espaço para revanchismo. No afã de proteger a democracia, não se pode atropelar a lei. Quanto mais provas consistentes forem colhidas, maior a certeza de que os responsáveis serão punidos com o rigor necessário.