Valor Econômico, v. 20, n. 4886, 23/11/2019. Empresas, p. B1
Passivos e provisões podem pesar na privatização da Eletrobras
Rodrigo Polito
O governo prevê arrecadar R$ 16,2 bilhões com a privatização da Eletrobras no próximo ano, conforme proposta orçamentária para o próximo ano. A cifra é baseada em um cenário de venda bem-sucedida da maior companhia elétrica da América Latina, responsável por um terço do parque gerador brasileiro e quase metade de todo o sistema de transmissão do país. A empresa, porém, reúne um conjunto de antigos “esqueletos” que podem pesar na avaliação do preço da companhia pelo investidor, no processo de capitalização e privatização.
Entre os passivos, provisões e incertezas incluídas nas notas explicativas do resultado do terceiro trimestre da Eletrobras, divulgado neste mês, o“esqueleto” mais conhecido - e, talvez, o mais problemático - é o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia feito no passado. Com o objetivo de gerar recursos para a expansão do setor elétrico, a arrecadação compulsória durou de 1977 até 1993. A empresa efetuou o pagamento dos créditos do empréstimo, porém existe um contencioso jurídico “expressivo”, nas palavras da Eletrobras, sobre a atualização monetária desses créditos.
A Eletrobras fez o pagamento de R$ 6 bilhões referente a esses processos, nos últimos cinco anos, e registra provisão da ordem de R$ 18 bilhões em seu balanço. Em 30 de setembro, a elétrica contabilizava 3.986 processos relativos ao tema provisionados. Há, segundo a elétrica, porém, a possibilidade de alteração de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em desfavor da companhia, o que pode gerar uma provisão adicional da ordem de R$ 11 bilhões.
O caso ultrapassou as fronteiras do país e, em outubro, foi protocolada na Justiça dos Estados Unidos petição inicial pelo Eagle Equity Funds, LLC contra a Eletrobras por suposta omissão de passivos relacionados ao empréstimo compulsório. A estatal, porém, diz em nota explicativa que entende que as divulgações anteriores sobre o assunto “foram e permanecem precisas, diante das informações disponíveis em cada data de publicação”.
A Eletrobras acrescentou que as provisões que fez sobre suas demonstrações financeira relativas a essa questão são “razoáveis e apropriadas à luz das contingências futuras enfrentadas pela companhia”. Ela, contudo, lembra que “não há garantias quanto ao curso de processos judiciais em andamento e futuros e futuras decisões judiciais no Brasil ou no exterior”.
Outro impasse diz respeito à incerteza sobre a realização de créditos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) que estavam registrados no ativo das distribuidoras do grupo e foram repassados à holding no processo de privatização dessas empresas. A CCC é um encargo do setor elétrico cujos recursos são utilizados para a compra de combustível para operação de térmicas no Norte e Nordeste.
Segundo a Eletrobras, os créditos reconhecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda são preliminares. Em tese, a estatal tem valores a receber. Existe, porém, uma parcela de “ineficiência”, cujo pagamento não é garantido. Sobre isso, a empresa totaliza uma provisão de R$ 1,7 bilhão.
Outra conta complicada no balanço é o valor de R$ 2,6 bilhões que a empresa tem a devolver ao fundo da Reserva Global de Reversão (RGR). A cifra é relativa a financiamentos devidos pela holding e suas controladas.
Em entrevista coletiva sobre o resultado do terceiro trimestre, neste mês, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, afirmou que “o tema do empréstimo compulsório, sim, é um passivo da Eletrobras que vai continuar na Eletrobras privada. [Sobre] a RGR, existem condições que estão lá [no projeto de lei de privatização] especificadas, mas ta ficam com a Eletrobras privada”.
Além dos passivos descritos no balanço, existem riscos envolvidos na tramitação do projeto de lei 5.877/2019 - sobre a desestatização da Eletrobras - no Congresso. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, afirmou neste mês que pretende apresentar uma emenda ao texto propondo a inclusão de uma “golden share” para o governo.
O mecanismo é um tipo de ação especial que dá poder de veto ao governo em decisões sobre temas específicos. A inclusão da golden share, porém, não é bem recebida pelo mercado, que pode reduzir a precificação da Eletrobras.
No campo positivo, a Eletrobras também possui fatores que podem favorecer sua valorização na privatização. Entre eles, está a melhoria da gestão nos últimos anos, caracterizada pela venda das seis distribuidoras do grupo, responsáveis por prejuízos anuais acima de R$ 1 bilhão, além da redução do nível de endividamento. Para se ter uma ideia, a alavancagem da empresa, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, passou de 6,1 vezes, em dezembro de 2016, para 2,3 vezes, em setembro deste ano.
No âmbito jurídico, também conta positivamente para a Eletrobras recente decisão da Justiça Federal do Distrito Federal. Foram indeferidos todos os pedidos impetrados por entidades setoriais da indústria de não pagamento de indenizações às transmissoras por investimentos feitos e não amortizados em ativos antigos de transmissão. Com essa decisão, a estatal registrou, no resultado do terceiro trimestre, montante de cerca de R$ 5,9 bilhões a receber a título de indenizações.
No entendimento do J.P. Morgan, a decisão judicial eleva a chance de um desfecho positivo para o impasse criado ainda na Medida Provisória 579/2012 - da renovação das concessões. O banco, porém, ressalta que há incerteza com relação à necessidade de recálculo desses valores pela Aneel e, nesse caso, quanto ao tempo que a agência levará para fazer isso.
Por último, outro fator que pode contribuir positivamente para a Eletrobras é o aumento de capital por subscrição privada, no valor de até R$ 10 bilhões, com o objetivo de integralizar o montante de R$ 4 bilhões da União, feito por meio de Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital (Afacs), realizados em 2016 e corrigidos pela Selic.
Segundo o presidente da Eletrobras, essa operação ajuda a “limpar” o balanço, tornando-o mais adequado para o plano de privatização da companhia.