Valor Econômico, v. 20, n. 4809, 07/08/2019. Política, p. A8

Especialistas apontam equívocos em texto de medida

 André Guilherme Vieira



A Medida Provisória (MP) 892 editada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que trata das publicações empresariais obrigatórias, comete um equívoco ao alterar a Lei das Sociedades Anônimas e atribuir à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poder que extrapola a competência da autarquia, na opinião de juristas entrevistados pelo Valor.

Para o advogado especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais, Walfrido Warde, há ao menos dois pontos controversos no texto da MP.

"A atuação legislativa do executivo, ao que me parece, reveste-se de duas impropriedades. A primeira é instrumental. É equivocado alterar um monumento legislativo como a Lei de Sociedades Anônimas por medida provisória, sem que a mudança se submeta ao crivo da comunidade afetada", avalia o advogado.

Segundo Warde, a outra impropriedade no texto da MP é o fato de ela submeter a competência da CVM para a divulgação e manutenção de documentos e informações de sociedades anônimas de capital fechado. "Esse é um esgarçamento impertinente das atribuições legais daquela autarquia", afirma.

Já o doutor em Direito Comercial pela Universidade Harvard e professor da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Pagano Portugal Gouvea, observa que a MP editada por Bolsonaro e Guedes promoveu modificação que vai gerar insegurança jurídica.

"A MP criou uma regra que é bastante clara no caso de companhias abertas, mas que tem uma lacuna com relação às companhias de capital fechado. Na prática, quem determinará o regime a partir de agora será o ministro. Deixou de ser a lei e passou a ser o ministro da Economia. No longo prazo, deixar essa questão a critério do ministro da Economia é algo muito inseguro, porque significa que a regra pode mudar a qualquer momento".

O professor da USP também aponta outro aspecto que avalia se tratar de uma incongruência no texto da MP no que se refere às empresas de capital fechado. "No caso das companhias fechadas com mais de 20 acionistas e patrimônio líquido superior a R$ 10 milhões, como elas deverão publicar o balanço, neste caso? A MP não deixa isso claro e será preciso que o Congresso resolva essa incerteza."

Especialista em Direito Societário, o advogado Rafael Nascimento acredita que a MP tem potencial para gerar um conflito de normas.

"A medida provisória atribui à CVM o poder de 'disciplinar quais atos e publicações deverão ser arquivados no registro do comércio'. Essa disposição se conflita com a Lei das SA, que já disciplina os atos e as publicações", analisa.

"Parece-me que a MP está atribuindo a um órgão administrativo, que é a CVM, o poder para ditar uma norma que pode ser contrária à disposição legal", observa Nascimento. O advogado Rafael Villac Vicente de Carvalho também enxerga um possível conflito do teor do texto da MP com a lei das SA.

"Essa MP, se convertida em lei, passará a ter o mesmo valor que a legislação das Sociedades Abertas. Isso poderá ser alegado como conflito de normas e a Justiça Federal, em tese, poderá ter de decidir qual legislação prevalecerá".