Valor Econômico, v. 20, n. 4809, 07/08/2019. Política, p. A11
 

Governo tenta evitar derrota na Previdência
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro 


 

O governo passou o dia de ontem atuando para tentar evitar uma derrota na reforma da Previdência e permitir que as pensões por morte sejam menores que um salário mínimo, de R$ 998, o que hoje é proibido pela Constituição. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (PSDB), assinou portaria que estabelece quais rendas serão usad

Apesar das articulações, o governo ainda via risco de derrota nesse ponto. A proposta de emenda à Constituição (PEC) reduz as pensões a 50% do valor da aposentadoria, mais 10 pontos percentuais para cada dependente. Se for apenas uma viúva, portanto, ela receberá 60%. Com isso, o valor poderá ser menor que um salário mínimo, exceto se essa for a única fonte de "renda formal" do pensionista.

Marinho assinou ontem, num ato com a bancada evangélica, portaria para definir o que será considerado como renda formal. Pelo texto, será dinheiro do trabalho, de programas assistenciais do governo (como o Bolsa Família) ou de outras pensões e aposentadorias e que, somado, seja superior a um salário mínimo. Ficam de fora rendimentos de aplicações financeiras e aluguel, por exemplo. 

Por exemplo: se a viúva tem pensão de R$ 600 e receber R$ 1,2 mil de salário, a pensão não será alterada. Mas se receber R$ 800 de salário, a pensão será complementada para R$ 998 (ela receberá, então, um total de R$ 1.798). Como a portaria é para cálculo do valor da pensão, ela não entrará no cálculo da renda formal, afirmou o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Biancom exceto se a pessoa tiver mais de uma pensão. 

Já o advogado Caio Taniguchi afirmou que o texto está vago. "Vai dar pano para a manga se eu deveria olhar única e exclusivamente para o benefício ou para o total das minhas rendas. A portaria dá essa interpretação mais larga, de interpretar a somatória das remunerações", disse.

O governo prometeu encaminhar, após a promulgação da reforma, um projeto de lei complementar com as regras e estabelecer um gatilho para, assim que a pessoa perder o emprego, a pensão seja automaticamente completada para se equiparar ao salário mínimo. "Nosso receio é de que fosse um processo burocrático como a prova de vida para aposentadoria", disse o presidente da bancada evangélica, deputado Silas Câmara (PRB-AM).

Com o decreto, o governo selou acordo com os evangélicos e as mulheres para rejeitar a emenda da oposição que mantém a proibição de pensões abaixo de um salário mínimo. O argumento do oposicionistas é que a renda formal poderia ser simplesmente um benefício de R$ 45 do Bolsa Família, que já tiraria o direito à pensão de R$ 998.

Por outro lado, os deputados de oposição convenceram o governo de que a redução das pensões para 60% do valor da aposentadoria terá impacto menor que o divulgado. Marinho vinha dizendo que manter a regra atual diminuiria a economica com a reforma em R$ 130 bilhões em dez anos - o texto terá impacto fiscal de R$ 933 bilhões em uma década. Ontem, segundo deputados de oposição e governistas, o secretário reconheceu que a conta será de R$ 70 bilhões. A oposição insiste que será ainda menor, de cerca de R$ 40 bilhões.

Os destaques, contudo, só devem ser votados hoje. O governo precisa do apoio de 308 dos 513 deputados em cada uma dessas votações para evitar mudanças no texto. A votação da reforma, prevista para começar ontem cedo, só teve início à noite, depois de o governo encaminhar projeto de lei para destinar dinheiro das emendas parlamentares para os deputados no valor de R$ 3 bilhões. O dinheiro, segundo apurou o Valor virá do remanejamento de outros ministérios.

A intenção dos favoráveis à reforma é tentar concluir a votação do texto principal e dos destaques da oposição ainda hoje. Eles imaginam que, se ficar para amanhã, corre risco de esvaziamento do quórum e adiamento.