Valor Econômico, v. 20, n. 4809, 07/08/2019. Opinião, p. A14

O Brasil e os limites da agricultura mundial

Alysson Paolinelli 
Antonio Licio



O conceituado "Serviço de Pesquisas Econômicas" do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos (ERS/USDA) publi cou recente pesquisa (baselines) na qual projeta para a safra 2027/28 os limites de expansão de área agrícola mundial de grãos - milho, sorgo, cevada, trigo, arroz, algodão, soja e girassol - que representam 75% da área total. Surpresa: dentre os mais importantes celeiros mundiais, os Estados Unidos, União Europeia e China virtualmente esgotaram seus espaços - crescimento menor que 1% nos dez anos entre 2017-27. A India logrará 6% (mais 8 milhões de ha) e o Brasil será o único com potencial expansivo importante, com 21% de crescimento projetado (mais 15 milhões de ha).

No global a área mundial de grãos crescerá pouco mais de 5%, ou 50 milhões de ha a partir dos 815 milhões atuais. No decênio entre 2010-2020 essas projeções ainda incluíam crescimento dos EUA de 3%, União Europeia de 4,2% e China de 0,7%, para um global de 8%.

São más notícias para um mundo ainda faminto e boas para o Brasil, pois outras projeções preveem crescimento de renda/PIB mundial de 40% entre 2017-27 (FMI) oriundos principalmente da Ásia e África, o que significará preços mais altos decorrentes de uma oferta global incapaz de atender plenamente a demanda. O Brasil terá pois, duas fontes de renda agrícola no futuro: 1- crescimento de área plantada e; 2- elevação dos preços internacionais. Qual será o impacto disso em nosso PIB? Muito forte e positivo, a despeito de desgastantes discussões sobre a matéria.

Embora não saibamos detalhes metodológicos das projeções do USDA, de nossa parte podemos assegurar que no Brasil as áreas "novas" para produção agrícola, aquelas inseridas principalmente nos Cerrados do Brasil Central a partir dos anos 1970, estão esgotadas, como temos afirmado alhures. Há porém outras fontes: 1- segundas safras; 2- substituição de pastagens e integração lavoura-pecuária; 3- aumento de produtividade; 4) irrigação. Daqui virão as respostas.

As segundas safras ocorrem basicamente pela dobradinha soja-milho, possível somente depois que a Embrapa e outros pesquisadores disponibilizaram cultivares de soja de ciclo curto - 90 a 100 dias - capazes de serem somados ao ciclo normal do milho de 120 dias dentro ainda de uma "janela" climática de chuvas e temperaturas adequadas. Teoricamente toda a área plantada de soja, de 35 milhões de hectares, poderia puxar segundas safras de milho, com 17 milhões de hectares, dos quais 12 milhões em segundas safras. Mas limitações climáticas ainda restringem essa maximização e somente produtores em cada região poderão definir o potencial.

Brasil terá duas fontes de renda agrícola: expansão da área plantada e elevação dos preços internacionais

Pastagens de baixos rendimentos estão sendo substituídas por lavouras, muito mais rentáveis, mas algumas não se prestam a este fim devido a declividades ou são mesmo climaticamente impróprias, como a Caatinga ou a Amazônia. A nova tecnologia de integração lavoura-pecuária deve abrir enorme espaço em benefício tanto dos grãos quanto da pecuária, mas culturalmente é de adoção lenta. Aumentos de produtividade são fenômenos de médio-longo prazos, limitados por disponibilidades de tecnologias novas e suas adoção por produtores.

Finalmente, a irrigação, um tabu no Brasil. Temos cerca de 61 milhões de hectares de lavouras temporárias plantados dos quais 10 milhões com de cana-de-açucar, ou cerca de 50 milhões em grãos em primeira safra. Se fossem 100% irrigados teríamos quase três safras/ano, ou 150 milhões de hectares - com produtividades iguais ou superiores às de primeiras safras atuais. Um patrimônio outorgado por Deus somente ao Brasil agrícola tropical, onde as temperaturas não limitam a fotossíntese, invejável a qualquer nação que almeje alimentar seu povo e exportar. Temos águas interiores em abundância, de superfície e principalmente nos aquíferos do Brasil Central - Guarani e Urucuia - mas não podemos usar este incomensurável legado.

Como assim? Basta levantar os pedidos de outorga de água para irrigação que entulham as gavetas dos órgãos ambientais estaduais, alguns há mais de dez anos, para confirmar esta assertiva (a Agência Nacional de Aguas, federal, tem sido menos restritivas). E pior: primeiro é necessário elaborar um projeto caro de agricultura irrigada para depois a agência não responder!

Criou-se no Brasil, nos últimos vinte anos, uma cultura que "água deve correr para o mar", no máximo permitindo-se usá-la para consumo humano e animal. As gerações hidrelétricas são permitidas com muita parcimônia, mas irrigar... não! Ou seja, irrigar seria uma prática "anti-ambiental". E pensar que esta prática já teve no país uma importância capaz de criar um Ministério da Irrigação (1987-91), transformado em Secretaria e finalmente extinta em 2017, levando com ela a prioridade. O ranking mundial de irrigação segundo a FAO é (em milhões de hectares, 2012): China (69), Índia (67), EUA (26), Paquistão (20), Irã (9,6), Indonésia (6,7), México (6,5), Tailândia (5,4) e Brasil (5,3), sendo que em 2017 o número oficial brasileiro teria crescido para 6,9 milhões de hectares.

Quando se consideram os benefícios da irrigação em regiões pobres, como nas caatingas da Bacia do Rio Parnaíba no Piauí e partes do Rio São Francisco, esta constatação torna-se dramática, para não dizer cruel e desumana perante seus sofridos habitantes sem alternativas agrícolas de sequeiro mas, ironicamente, com os maiores potenciais quando irrigadas em áreas onde o sol e o calor abundam durante todo o ano. Essas discussões tem que ser retomadas, urgentemente.

Quem sabe seremos testemunhas de mudanças, principalmente a favor dos sofridos agricultores nordestinos, cujo último "advogado" foi Dom Pedro II, em declaração pública de 1877: "Não restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá mais de fome. "