Valor Econômico, v. 20, n. 4810, 08/08/2019. Política, p. A14

Bolsonaro ameaça retirar editais públicos de jornais para "conter desmatamento"

Fabio Murakawa
 Renan Truffi


 

O presidente Jair Bolsonaro estuda acabar com a obrigatoriedade da publicação de editais de concorrências, concursos públicos e leilões em jornais diários.

Ele fez esse comentário ontem, ao ser questionado por jornalistas sobre a Medida Provisória 892, que retirou de forma imediata a obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas de capitais aberto em veículos de grande circulação.

Apesar de novamente ironizar os jornais, que perderão receita com as medidas, o presidente voltou a negar que esteja promovendo uma retaliação à imprensa, de quem ele se diz vítima de ataques.

"Duvido que o povo discorde do que estou propondo. Empresas de pequeno porte gastavam R$ 100 mil, R$ 200 mil no ano [com a publicidade dos balanços]. Vamos acabar com isso aí", disse Bolsonaro. "Vamos ver a questão dos editais também."

Bolsonaro não detalhou, mas se quiser mudar as normas de publicação de edital terá que alterar, via MP ou projeto de lei enviado ao Congresso, a Lei 8.666 de 1993.

Essa lei estipula em seu artigo 21 que "os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez [...] em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido alugado ou alienado o bem".

No fim da tarde, o porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, afirmou que o presidente pediu à Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), vinculada à Secretaria-Geral da Presidência que avaliasse o assunto. "O presidente solicitou que seja iniciado um estudo, com profundidade, para ver a melhor forma e se esse tipo de ação será desencadeada pelo poder executivo", afirmou.

Segundo ele, o governo avalia que "lá no Congresso existem outras demandas legislativas que podem impactar a decisão final". "Atropelarmos de momento não é adequado", afirmou.

Bolsonaro havia sido questionado sobre o assunto pela manhã na porta do Palácio da Alvorada. Em tom jocoso, o presidente voltou a ironizar os jornais ao comentar a MP 892, alegando que a medida tem como finalidade "evitar o desmatamento".

A MP foi firmada na segunda-feira por Bolsonaro, que em abril sancionou uma lei aprovada no Congresso que prevê o fim dessa publicidade em dezembro de 2021.

"Qual o objetivo [da medida provisória]? Temos desmatamento no Brasil. Para ajudar a conter o desmatamento, você tem que ter menos matéria na imprensa de papel", afirmou o Bolsonaro. "Alguém é contra uma medida para evitar o desmatamento?"

Bolsonaro prosseguiu, dizendo que, no passado, "o presidente da República ligava para a Petrobras e falava: 'Publica o balancete no [jornal] 'O Globo': R$ 1 milhão, R$ 2 milhões'. Vai acabar isso daí".

Na mesma entrevista coletiva, Bolsonaro confirmou ter referendado a decisão da Petrobras de encerrar um contrato com o escritório de advocacia do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, com quem ele teve um entrevero há alguns dias. O contrato em questão tinha o objetivo de garantir que o escritório de Santa Cruz representasse a estatal em causas trabalhistas.

"Eu havia falado já, nem era para ter esse contrato. Não é porque era ele [Felipe Santa Cruz]. A Petrobras não precisa disso, dar dinheiro para um cara da OAB que recebe recursos milionários e não é auditado por ninguém", disse.

Questionado, então, se a decisão foi tomada a seu pedido, respondeu: "Eu posso falar para você, não tenho que esconder nada não. Qualquer contrato de qualquer empresa tem que ser visto e revisado. E esse contrato é antigo, é de alguns anos. Não precisa disso".

O presidente comentou ainda que decidiu retirar a indicação de dois nomes para conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) porque eles não estavam "adequados". Segundo ele, no entanto, as negociações estão "avançadas" para que ele indique seis conselheiros o mais breve possível.