Valor Econômico, v.20, n. 4928, 28/01/2020. Opinião p.A11

 

Davos aos 50

 

Silvio Dulinsky


Em 10 anos haverá uma massiva transferência de poder econômico e político para a próxima geração de líderes, com muito mais compromisso social, ético e ambiental

Estaria Davos passando pela crise dos 50?

A famosa reunião nos Alpes suíços começou a ser organizada em 1971 pelo Fórum Econômico Mundial e este ano comemorou o seu 50º aniversário.

A convicção dos quase 3.000 participantes de 130 países que acabam de participar do evento com a maior concentração de poder econômico do mundo pode ser qualquer outra, menos a de uma crise de meia-idade.

Pelo contrário a vitalidade do Fórum se parece a de uma jovem e exitosa empreendedora com sonhos, energia e capacidade para mudar o mundo.

Durante cinco dias, 60 presidentes de países, 250 ministros, mil CEOs e 800 vice-presidentes de empresas globais, 300 jovens líderes e 450 representantes da sociedade civil, mídia e setor acadêmico debateram os principais desafios da sociedade, seus paradoxos e possíveis soluções.

Estamos no início de uma nova década. Uma década para entregar resultados. A década em que devemos construir um sistema econômico capaz de reparar nossas sociedades feridas e o planeta adoentado. As empresas têm uma enorme responsabilidade neste processo. O setor privado não pode resolver todos os problemas da sociedade, mas a maioria dos problemas estruturais que nos afligem não pode ser resolvida sem o setor privado.

O Fórum foi a primeira organização a defender a ideia de capitalismo de “stakeholders” em 1973. Esta edição de 2020 se debruçou sobre a renovação da licença de operação; não de uma ou outra empresa, mas sim do capitalismo.

Recentemente o Business Roundtable dos EUA, o grupo de empresas mais influente daquele país, anunciou que abraçaria o capitalismo de “stakeholders”. A pergunta que surgiu foi que impacto isso terá na prática. A plataforma do Fórum tem o conteúdo e o poder de convocação para tornar este compromisso uma realidade global, possibilitando a transformanção das empresas para que sigam sendo o motor de desenvolvimento da sociedade, como têm sido nos últimos 150 anos.

Os professores Paul Collier e Colin Mayer, ambos de Oxford, ilustraram o caso em um debate no primeiro dia de Davos com uma boa dose de humor inglês. A presença massiva de CEOs de empresas globais mostrou aos anfitriões que havíamos acertado na elaboração do programa. Os dois lordes expuseram que, na visão tradicional, o patrão de uma empresa sabia o que devia ser feito, mas que os “malvados empregados” não queriam seguir o caminho. Esta concepção de mundo se baseava na ideia do “homo economicus”, presente na teoria desde Adam Smith e sua mão invisível.

Consequentemente se estabeleceu um sistema de sanções e recompensas que, segundo os palestrantes, funciona bem com ratos de laboratório. Mas a espécie humana foi capaz de construir um sistema de confiança e de motivação mais sofisticado que “paus e cenouras”. Na natureza existe um único tipo de liderança: a dominação. As pessoas criaram um outro sistema, baseado no respeito.

Este modelo demanda um líder capaz de estabelecer um propósito que canalize a força criativa dos trabalhadores para resolver problemas das pessoas e do planeta. Não somente uma missão vaga e aspiracional, mas sim um propósito apoiado pela cultura corporativa, processos e métricas que norteiam as decisões cotidianas e estratégicas da empresa. Quando adotado amplamente temos uma reorientação do capitalismo, na qual o lucro sustentável no longo-prazo passa a ser uma consequência de resolver problemas, de servir a sociedade.

Numa reunião privada um participante disse a um CEO membro do conselho do Fórum que este partia de uma situação favorável para construir e comunicar o propósito da sua empresa. O nosso conselheiro conduz uma empresa que produz componentes nutritivos para alimentos e energia renovável nas suas grandes instalações industriais. O caso do participante aflito seria muito mais complicado pois, segundo ele, sua empresa não contribui em nada para o mundo. Nosso amigo afortunado não quis ser rude, mas não teve como deixar de questionar porque esta outra empresa existe.

Uma das mais importantes iniciativas lançadas em Davos este ano foi a criação de uma rede global de membros de conselhos de administração comprometidos com o objetivo de eliminar as emissões líquidas de CO2 de suas empresas até 2050. Esta iniciativa está baseada no marco de governança corporativa que o Fórum publicou em 2019.

Empresas na vanguarda deste movimento estão assumindo o compromisso de eliminar emissões líquidas de CO2 já em 2030 e as mais ambiciosas, como anunciou Satya Nadella, da Microsoft, vão compensar as emissões geradas pela empresa desde sua criação. Reino Unido, França, Itália, Malásia e Canadá já contam com grupos de conselheiros compartilhando experiências, influenciando seus pares e dando um mandato concreto para os executivos transformarem as empresas para o futuro. No Brasil, há discussões para criar um grupo similar.

O Brasil conta com excelentes companhias que competem em nível de igualdade com os principais líderes globais de suas indústrias. Contudo, quando se trata de modelo de negócio sustentável, cultura corporativa inclusiva e compromisso com diversos “stakeholders”, temos uma grande oportunidade de aprendizagem. Necessitamos de uma governança corporativa robusta e comprometida para tomar decisões necessárias e corajosas.

Larry Fink, CEO da BlackRock, argumenta que as empresas devem apressar-se, pois nos próximos 10 anos haverá uma massiva transferência de poder econômico e político para a próxima geração de líderes. Estes jovens têm muito mais compromisso social, ético e ambiental e suas expectativas com relação às corporações - como consumidores, investidores e reguladores - são claras.

Em conjunto com estes futuros líderes temos uma oportunidade singular de desenvolver uma governança corporativa que coloque as empresas brasileiras no mesmo patamar que seus pares globais, não somente em desempenho financeiro e operacional, mas como líderes de uma sociedade cada vez mais complexa e dependente de uma efetiva colaboração público-privada.