Valor Econômico, v.20, n. 4928, 28/01/2020. Empresas p.B1
Para GM, Mercosul requer ação urgente
Brasil e Argentina não podem cair na tentação de voltar-se apenas às questões internas
Marli Olmos
A General Motors está entre as empresas que mais se prepararam para fazer da integração do Mercosul sua base de atuação em toda a América do Sul. Por isso, Carlos Zarlenga, presidente da operação sul-americana da montadora, considera importante que os governos dos dois principais integrantes do bloco - Brasil e Argentina - não percam de vista a necessidade de preservar uma parceria cuja razão de ser começa pela própria proximidade geográfica. Caso contrato, diz, a região corre o risco de ser preterida em futuros planos de investimentos do setor.
O executivo teme que os problemas internos de Brasil e Argentina desviem o foco da necessidade de fazer da integração entre ambos uma ferramenta de competitividade global. Do lado brasileiro, há a preocupação de acelerar a agenda das reformas ao mesmo tempo em que o governo está determinado a levar adiante um processo de abertura comercial. A Argentina, que terminou 2019 com uma inflação de 53,8% - a mais alta desde 1991 -, tem pela frente o duro desafio de manter o déficit fiscal sob controle ao mesmo tempo em que renegocia a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e credores privados.
O argentino Zarlenga foi responsável pela unificação das operações dos dois países na GM há três anos e desde então comanda as operações na América do Sul, região em que a GM é lider de mercado. As maiores fábricas estão no Brasil e Argentina. Mas a empresa também monta veículos na Colômbia e Equador. O incomoda o fato de o mercado chileno ser abastecido não só pelas fábricas do Brasil, mas também da Coreia do Sul.
Esse é um reflexo, afirma, da falta de competitividade. “Se Argentina e Brasil, que estão condenados à uma convivência por questões geográficas não se preocuparem com isso agora sofrerão as consequências no longo prazo”, destaca.
A transformação da indústria automobilística exigirá, diz o executivo, investimentos cada vez mais pesados. “A questão é saber para onde irão os futuros investimentos”, destaca. “Estamos ainda discutindo na região problemas do passado, de eficiência e competitividade enquanto o mundo se volta para as questões de eletromobilidade e direção autônoma”, completa.
Zarlenga evita comentar as questões políticas que cercam o distanciamento entre Brasil e Argentina. Desde a eleição do peronista Alberto Fernández na Argentina, em outubro, o presidente Jair Bolsonaro tem evitado aproximação e critica abertamente o novo governo do país vizinho. Para Zarlenga, não há “colisão de interesses” no que diz respeito à questão comercial. “Mas é preciso sentar e negociar a parceria”, destaca.
Para ele, cabe aos dois principais produtores de veículos da América do Sul decidir se suas fábricas vão simplesmente montar carros ou, importá-los do México ou dos Estados Unidos.
Essa não é a primeira vez que o executivo põe em dúvida a capacidade de a região continuar a atrair investimentos. Faz um ano que Zarlenga enviou e-mail aos funcionários da GM declarando que a empresa enfrentava momentos difíceis no Mercosul, com prejuízos acumulados que não poderiam mais se repetir.
O executivo elaborou um plano de cortes de custos envolvendo empregados, fornecedores, concessionários e governos estaduais. Em março, o governo de São Paulo anunciou um programa de incentivos, com redução de ICMS nos carros produzidos a partir de novos investimentos.
A partir disso, a montadora anunciou programa de investimentos de RS$ 10 bilhões para o período de 2020 a 2024, uma continuação ao plano de R$ 13 bilhões de 2015 a 2019. Uma parte dos novos recursos já começou a ser usada para o lançamento de sete modelos este ano.
Ontem a empresa anunciou que está na fase final de renovação da fábrica de São Caetano do Sul (SP) para a produção do primeiro utilitário esportivo compacto da marca no país. Nos EUA, a GM anunciou que investirá US$ 2,2 bilhões na fábrica de Detroit para produzir picapes e utilitários esportivos elétricos.