Valor Econômico, v. 20, n. 4811, 09/08/2019. Brasil, p. A6

Reforma tributária é passo seguinte, defende Guedes

Hugo Passarelli 
Arícia Martins



 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, frisou ontem que o próximo passo do governo é avançar em direção a uma reforma tributária. "Vamos na direção de redução e simplificação de impostos", disse, ao encerrar a programação do "Macro Day", evento promovido pelo BTG Pactual em São Paulo.

Apesar de o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, ter sinalizado mais cedo em outro painel do evento que o governo vai apresentar sua proposta de reforma tributária, com três eixos, na semana que vem, Guedes não mostrou preferência por um ou outro projeto. "Se aprovar a reforma tributária do Appy [a PEC 45], ótimo; se não, colocamos a nossa", afirmou.

Guedes disse que, "como um bom liberal", suspeita que a proposta de imposto único será aprovada. "Se a classe política conseguir fazer um IVA de cima a baixo, aleluia. Eu, como bom liberal, acho que alguns Estados e municípios podem querer ficar fora, mas aí vamos oferecer a alternativa do IVA dual."

O governo também pretende simplificar "radicalmente" o IR, acrescentou, retirando deduções com despesas médicas hoje existentes para pessoas físicas, classificadas por ele como regressivas. "Isso é regressivo e ineficiente".Guedes ainda disse ter esperanças de que o regime de capitalização no sistema previdenciário possa ser implantado mais à frente.

No evento, outras autoridades procuraram reforçar a continuidade da agenda de reformas estruturais. Apesar do discurso otimista e unificado, economistas têm ressalvas quanto ao sucesso das mudanças pretendidas.

Um dos motivos seria o fato de o Brasil não possuir as mesmas características de países que conseguiram implementar reformas econômicas estruturais de sucesso, segundo Marcos Mendes, economista e pesquisador associado do Insper. "Fazer reformas significa fazer um sacrifício no presente para recolher um benefício no futuro. Todo mundo sabe que o país vai ficar melhor, mas eu não sei se eu vou ficar melhor. Por isso, existe esse viés pro 'status quo'", comentou.

Mendes usou o exemplo da Nova Zelândia. Lá, no ano de início de reformas, o desemprego saltou de 4% para 14% e voltou ao nível inicial apenas 20 anos depois. "A sociedade tem que ter resiliência para seguir na agenda de reformas."

Os países bem-sucedidos neste processo, ao contrário do Brasil, são pequenos, o que incentiva uma maior abertura comercial; possuem poucos partidos, o que facilita a aprovação das mudanças; e são unicamerais, ou seja, as propostas precisam ser aprovadas em apenas uma Casa, e não na Câmara e Senado, observou.

Outro ponto central, de acordo com Mendes, é a falta de "coesão social" no Brasil, que representa entrave à agenda de reformas. Numa sociedade com classe média grande e baixo nível de desigualdade e violência, há uma maior "confiança mútua", disse. Já no Brasil, as pessoas se veem como diferentes, o que dificulta mudanças estruturais.

Também em viés mais pessimista, Marcos Lisboa, presidente do Insper, afirmou que, mais do que elencar uma série de reformas, o importante é escolher um "norte" adequado e evitar discussões desnecessárias. "Por exemplo, na questão tributária, o IVA é usado em 160 países, me parece que é o normal mundo afora e o que deveríamos adotar", disse. Já o IVA dual, abordado por Cintra e Guedes, é usado em apenas dois países. No lugar de discutir se haverá imposto único, defendeu, há uma questão mais relevante, que é a modelo de tributação brasileiro, hoje concentrado na fonte, e não no destino.

Lisboa também considera que, até o momento, o governo tem sido marcado mais por anúncios que rendem manchetes do que por medidas práticas. "O acordo Mercosul e União Europeia é bom? É ótimo, mas deveria ter sido aprovado há 20 anos. A questão é se o governo vai conseguir tirá-lo do papel", afirmou.

Mendes criticou a avaliação de alguns economistas de que é preciso tomar medidas de curto prazo para estimular a economia. "Fazer medidas de curto prazo significa tirar foco da reforma", disse. De forma geral, elas costumam dar fôlego pequeno à atividade, criam poucos empregos com alto custo fiscal e colocam dinheiro "na mão de pouca gente", afirmou.