Título: Calota polar já é a menor em um século
Autor: Marcelo Ambrosio e Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 30/09/2005, Internacional, p. A8

Pesquisadores especializados em glaciologia e oceanologia divulgaram na quarta-feira estudos cujas conclusões dão um sombrio contorno real à ficção cinematográfica. No primeiro e mais impactante trabalho, produzido pelo Centro Nacional de Pesquisas de Neve e Gelo (NSIDC, na sigla em inglês), em Boulder, Colorado, descobriu-se que o degelo acelerou-se tanto que a calota polar no Ártico chegou ao menor tamanho dos últimos cem anos. O segundo, realizado pelo Laboratório de Ciências do Clima e do Meio-ambiente de Gif-sur-Yvette, perto de Paris, descobriu um aumento perigoso da acidez da água no Norte da costa Antártica e das regiões sub-árticas do Pacífico. Por trás de ambos, o mesmo vilão: o aquecimento global causado pela emissão de gases na atmosfera.

No caso do Polo Norte, trata-se do quarto ano consecutivo de degelo rápido. Os pesquisadores americanos afirmam que o comportamento faz parte de um processo natural (veja quadro), mas acelerado em boa parte pela ação do homem. São grandes as probabilidades, se nada for feito para reduzir as emissões, de que a aceleração desse degelo aumente nos próximos anos. O quadro havia sido previsto também pelo painel do Conselho Ártico, um relatório produzido no ano passado por 250 especialistas de oito países.

- Setembro foi um mês recorde - constata Mark Serreze, do NSIDC, à rede BBC. - As últimas análises de imagens de satélite mostram um padrão constante de derretimento. É difícil reagir contra a noção de que pelo menos parte disso esteja ligada ao aquecimento, ainda que os sistemas climáticos possuam grandes variações. Vivemos em um grande experimento global e teremos de conviver com as conseqüências - acrescenta.

O centro do Colorado vem monitorando a calota polar desde 1978, em parceria com a agência espacial americana (Nasa). Na última avaliação, a área detectada foi de 5.31 milhões de km². Entre aquela data e o ano 2000, a média era de 7 milhões de km². Pelo menos um padrão de circulação atmosférica, conhecido como Oscilação Ártica - responsável por empurrar o gelo para fora da calota - perdeu força desde os anos 90.

Maior especialista brasileiro em glaciologia, o professor gaúcho Jefferson Cardia Simões, diretor do Laboratório de Pesquisas Antárticas e Glaciológicas da UFRGS, não se surpreende. Ligado ao Programa Antártico Brasileiro, Simões se diz preocupado e destaca o reflexo do estudo.

- O derretimento é causado pelo aumento da temperatura. E acaba tornando o aquecimento global mais forte. A superfície da calota passa da cor branca para a cor mais escura do mar. Com isso, mais calor é absorvido e mais mar gelado perde superfície, e assim por diante - explica ao JB , durante um seminário em São Paulo.

Um possível desaparecimento da calota polar daqui a meio século traria, segundo o glaciologista, conseqüências drásticas a grandes regiões do Hemisfério Norte. Áreas ao Sul como o Brasil, segundo ele, não seriam afetadas diretamente.

- Pode ocorrer mudança no cinturão climático, cujas faixas seriam ampliadas. Como exemplo - prossegue -, a região do Polo Norte passaria, pela primeira vez, a registrar a precipitação de chuvas em lugar da neve - completa.

Simões, no entanto, destaca que as alterações poderiam trazer efeitos positivos em certas circunstâncias. Cita os países escandinavos, que teriam clima temperado, permitindo o aumento das áreas agricultáveis e invernos mais curtos. No mar, porém, a coisa mudaria de figura. Variações de salinidade, igualmente decorrentes de mudanças no perfil das calotas, são uma ameaça.

Segundo os pesquisadores do laboratório francês, autores da segunda pesquisa, a presença maior de dióxido de carbono na atmosfera está tornando os oceanos ácidos, muito corrosivos para determinados organismos marinhos. São os animais que dependem de carapaças de cálcio para se proteger de predadores.

Entre as áreas mais ameaçadas estão o entorno das calotas polares. A acidez maior pode amolecer as carapaças ou, em certos casos, dissolvê-las, impedindo o crescimento e a reprodução. Tal fauna ocupa a base da cadeia alimentar, e o desaparecimento condenaria salmões, bacalhaus e até baleias.

- São tão importantes que não conseguimos vislumbrar o futuro sem eles - avalia Jim Orr, chefe do estudo parisiense.