Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Internacional, p. A11
Metas do Acordo de Paris já são insuficientes para limitar aquecimento
Daniela Chiaretti
Se o mundo quiser tentar conter o aumento da temperatura em 1,5 °C em 2100, como acordado no Acordo de Paris, o corte global nas emissões de gases-estufa entre 2020 e 2030 tem que ser de 7,6% ao ano. Em outras palavras, ou se aumenta a ambição e ocorrem reduções drásticas nas emissões, ou a janela de oportunidade de conter o aquecimento global em níveis mais seguros irá se fechar.
Esta é uma das mensagens centrais do relatório “Emissions Gap 2019” que a ONU Meio Ambiente (também conhecida pela sigla Pnuma) está lançando hoje em Genebra.
O relatório, que sai todos os anos, avalia a diferença entre as emissões previstas para 2030 e os níveis que seriam adequados para se garantir as metas de conter o aquecimento em 1,5°C e 2°C, como está no Acordo de Paris.
A edição deste ano do “Emissions Gap” lembra que as emissões de gases-estufa aumentaram 1,5% ao ano na última década. Em 2018 (incluindo aquelas provenientes da mudança do uso do solo, como desmatamento), as emissões atingiram um novo pico de 55,3 gigatoneladas de CO2 equivalente.
Contudo, para conter o aumento da temperatura média em 2 °C, as emissões anuais em 2030 teriam que ser 15 gigatoneladas de CO2 equivalente menores que às que se teria se os compromissos atuais dos países forem implementados. Para atingir a meta de 1,5 °C, as emissões precisam ser 32 gigatoneladas menores do que as estimadas pelos compromissos atuais.
“Nosso fracasso coletivo em agir antes e de maneira efetiva contra a mudança do clima significa, agora, que precisamos fazer cortes profundos em nossas emissões”, diz Inger Andersen, diretora-executiva da ONU Meio Ambiente, em nota enviada à imprensa.
“Isso mostra que os países não podem simplesmente esperar até o fim de 2020, quando devem fazer novos compromissos climáticos, para intensificar a ação”, continua Inger. “Eles - e isso quer dizer cada cidade, cada região, cada empresa e cada indivíduo, precisam agir agora”.
Os níveis de ambição dos compromissos dos países deveriam aumentar pelo menos cinco vezes para a meta de 1,5 °C e três vezes para a de 2 °C, indica o relatório.
O relatório sai na véspera de um ano crítico para a ação climática. Em 2020, na conferência do clima que deve acontecer em Glasgow, na Escócia, a CoP 26, o Acordo de Paris entra em vigor e espera-se que os países elevem o grau de ambição de seus compromissos e anunciem novos compromissos de redução.
Na rota atual, o aumento da temperatura do planeta é de mais de 3° C em 2100.
O “Emissions Gap” indica oportunidades para aumentar a ambição nos países do G-20, responsáveis por 78% do total das emissões. Quinze dos 20 países não se comprometeram com cronograma para chegar a emissões líquidas zero.
No caso do Brasil, por exemplo, o relatório sugere descarbonizar completamente a geração de energia até 2050. Outro ponto seria desenvolver uma estratégia nacional para impulsionar veículos elétricos e complementar com biocombustíveis, para ter carros 100% livres de CO2.
Uma terceira sugestão seria promover a “agenda urbana” aumentando o uso do transporte público e outras opções de baixo carbono. No caso do desmatamento e uso da terra, os especialistas indicam manter e fortalecer os mecanismos que promoveram uma queda do desmatamento entre 2005 e 2014, além de fortalecer o sistema de monitoramento.
A sugestão para a China seria banir todas as novas térmicas a carvão e seguir com o apoio à energia renovável. No caso da Índia, uma estratégia eficiente poderia incluir a expansão dos sistemas de transporte público de massa. Os Estados Unidos, por seu turno, poderiam dar preço ao carbono para as emissões industriais. No caso da União Europeia, indica- se uma reforma no mercado de carbono e até aumentar o ritmo das reformas sustentáveis de prédios antigos.