Valor Econômico, v.20, n. 4930, 30/01/2020. Empresas p.B1

 

Coronavírus faz grandes grupos suspenderem viagens para China


Avanço dos casos de infecção também afeta voos para destinos como Cingapura e Vietnã

 

Cibelle Bouças

Gabriel Vasconcelos

Letícia Fucuchima

Luiz Henrique Mendes

Rafael Bitencourt

Rodrigo Polito

 

O avanço dos casos de infecção pelo coronavírus já afeta as viagens de brasileiros à China e outros países com casos registrados, como Índia, Cingapura e Japão. Grandes grupos como Vale, Petrobras, BRF, Marfrig, Marcopolo, Weg, Itaú Unibanco e BMW suspenderam viagens para a China entre janeiro e fevereiro.

As companhias seguem a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de evitar viagens para os países com casos confirmados de coronavírus, como forma de evitar uma disseminação mais intensa do vírus. Na China, mais de 6 mil pessoas foram infectadas e mais de 130 morreram.

No Brasil, o Ministério da Saúde reportou nove casos suspeitos de infecção. Como nenhum caso foi confirmado até agora, o governo ainda não adotou medida especial para prevenir a infecção.

Mesmo sem medidas específicas no Brasil, grandes companhias decidiram se precaver.

Na terça-feira, a Vale, que têm negócios na região afetada, suspendeu, por tempo indeterminado, viagens para a China ou do país asiático para qualquer unidade da empresa. As operações nos portos chineses seguem normalmente.

A Petrobras informou que suspendeu as viagens programadas para a China. Em relação à exportação de petróleo para esse país, não há alterações na programação e eventuais ajustes logísticos estão sendo estudados.

Na Weg, que opera na China desde 2004, a orientação é postergar todas as viagens para depois de 8 de fevereiro, data que as autoridades chinesas estipularam para as empresas voltarem a trabalhar. A Weg tem quatro fábricas na China, onde emprega 2.242 pessoas, incluindo brasileiros. No momento, as unidades estão paradas devido ao feriado do Ano Novo Chinês.

Na fabricante de ônibus e carrocerias Marcopolo, a situação é similar. A fábrica em Changzhou está parada por causa do feriado e a previsão é voltar a operar em 10 de fevereiro “caso não surjam problemas em decorrência do coronavírus”, informou a Marcopolo.

A BMW restringiu as viagens de executivos para a China, seguindo a recomendação da OMS e do governo alemão.

A BRF, que também tem escritório na China, suspendeu as viagens de executivos para países da Ásia afetados pelo coronavírus, disse Lorival Luz, CEO da companhia. Em relação às vendas para o país, Luz estimou que a demanda chinesa por alimentos importados pode até aumentar, devido à paralisação das atividades na China.

A Marfrig informou que não reviu as projeções de vendas para a China, nem registrou cancelamento de vendas para o país asiático. As vendas da Marfrig para China e Hong Kong representavam 9% da receita da companhia ao fim do terceiro trimestre de 2019.

O Itaú Unibanco não tem escritório na China, mas recomendou aos funcionários com viagem marcada que as adiassem.

Agências de turismo que oferecem pacotes para a China dizem que ainda é cedo para estimar as perdas com o coronavírus. Gervasio Tanabe, presidente executivo da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas, observou que nesse período há pouca procura por voos para a China. “A demanda fica mais intensa a partir de abril”, disse.

Arnaldo Franken, sócio do Grupo AD Turismo e Viagens, disse que muitos clientes com viagens programas para março, abril e maio estão pedindo cancelamentos. A empresa levaria um grupo de brasileiros para a China no domingo, mas cancelou a viagem. “Também recebemos solicitações de cancelamentos de viagens Tailândia, Vietnã e Camboja”, disse Franken.

O Grupo BTR Varese, que realiza semestralmente missões de empresários para a China, também avalia suspender uma missão prevista para abril, que levaria 90 pessoas. “O primeiro cenário é de adiamento da viagem. Muitas empresas decidiram cancelar a reserva enquanto não há uma estabilização nos casos de coronavírus”, afirmou Alberto Serrentino, diretor da BTR Varese.

Gregório Polaino, vice-presidente da agência AlaturJTB, disse que não houve cancelamentos de pacotes, mas que isso é inevitável, considerada a experiência com surtos virais passados. “Os questionamentos de clientes já aumentaram muito e as empresas tendem reduzir viagens de funcionários para o exterior”, afirmou.

A Maringá Turismo, do grupo Arbaitman, informou que só ontem três empresas adiaram comitivas para Indonésia, Cingapura e Hong Kong. “Se o compromisso não for fundamental, as empresas cancelam. Essa precaução maior deve durar de 10 a 15 dias a depender da evolução do caso”, disse Marcos Arbaitman, presidente da Maringá Turismo.

Até agora, 22 empresas aéreas cancelaram voos para a China. Nenhuma empresa brasileira opera voos para o país, mas parte das companhias internacionais que cancelaram voos oferecem conexão do Brasil para a China, como Air France, American Airlines, United e Lufthansa. A Air China, que oferece dois voos semanais do Brasil para a China, cancelou os voos de janeiro e fevereiro.

 

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No Japão, acabam estoques de máscaras cirúrgicas


Turistas aproveitam o feriado prolongado e causam desconforto em Tóquio

 

Shinichiro Nakaba

O aumento dos casos de pneumonia causado pelo coronavírus que surgiu na China, em dezembro, começa a causar preocupação e falta de máscaras cirúrgicas no Japão. A presença de milhares de turistas chineses que aproveitam o feriado prolongado de duas semanas do ano novo lunar, desde o dia 25, alterou o comportamento nas grandes cidades japonesas.

Em Tóquio, a população tenta esconder o desconforto com a presença de grupos de chineses nos trens e metrôs que dão acesso aos aeroportos internacionais. Alguns mudam de vagão. Outros colocam máscaras em busca de proteção.

O governo de Pequim proibiu as viagens para conter a proliferação do coronavírus, mas muitos chineses viajaram antes da decisão.

Turistas chineses enchem suas sacolas para levar o produto para a China, que já sofre com a falta de máscaras. Chineses residentes no Japão também compram grandes volumes para enviar à terra natal.

Ontem, a reportagem do Valor não conseguiu achar máscara para adultos em redes de farmácias, nos principais centros comerciais da capital. “Só tem para crianças. Os chineses estão comprando tudo. Não dá tempo nem de colocar na prateleira”, disse o vendedor. Ainda é possível conseguir o produto pela internet. Mas tem um preço. Lojas virtuais estão oferecendo a caixa de 50 unidades por US$ 200. Sites com o valor convencional de US$ 5 pelo mesmo número de máscaras estão fora ar, afetados pelo grande número de acessos.

Os camareiros que trabalham nos hotéis frequentados por grupos chineses também estão preocupados. Alguns relatam que encontram pacotes de remédios para gripe e febre abertos nos quartos dos hóspedes e não sabem como lidar com a situação. Nas grandes lojas de departamentos os vendedores estavam proibidos de usar máscara para não desrespeitar os clientes. Mas essa postura foi revista após o governo de Tóquio confirmar, ontem, os primeiros casos de contágio de pessoas que nunca estiveram em Wuhan.

Um motorista de ônibus japonês, 50 anos, e uma guia chinesa, 40 anos, que reside no Japão, teriam contraído o coronavírus entre a terceira e quarta semanas deste mês, durante trabalho com grupos de turistas da China. De acordo com especialistas, a dificuldade é que a doença se espalha antes mesmo de os sintomas aparecerem.

O Japão se preparava para receber 700 mil turistas chineses durante o feriado prolongado antes do surgimento do coronavírus. As empresas ainda fazem os cálculos para estimar os prejuízos causados pela doença. As perdas deverão ser sentidas no Brasil, com a queda das exportações de alimentos para a Ásia. Com medo de contrair a doença, as pessoas deixam de sair. Com isso, o consumo de produtos brasileiros, deve encolher.

No começo dos anos 2000, o coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars) - também surgiu na China - demorou entre sete e oito meses para ser controlado. Há risco de a nova doença afetar a Olimpíada de Tóquio 2020.

 

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Investidor não deve entrar em pânico, diz Itaú BBA


Na crise epidêmica de 2003, após serem, afetadas no primeiro semestre, as ações das empresas tiveram rápida recuperação no segundo semestre, dizem analistas

Stella Fontes

A análise dos efeitos da epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) em 2003 não mostra impacto claro nos preços das commodities. As ações de companhias expostas a esses produtos foram penalizadas nos seis primeiros meses daquele ano, mas tiveram rápida recuperação no segundo semestre, indica o Itaú BBA.

Diante do efeito potencial do coronavírus, que chegou a 5.997 casos na China, e da reação negativa dos papéis de companhias cobertas pelo banco, os analistas Daniel Sasson, Ricardo Monegaglia e Edgard Pinto de Souza decidiram investigar o que aconteceu naquela ocasião, para tentar tratar um paralelo com a crise atual.

A conclusão, a partir desse olhar para o passado, é a de que não há razão para pânico entre os investidores.

“Embora a volatilidade acima da média possa ser o normal até que haja mais visibilidade sobre a evolução do coronavírus, a experiência do Sars indica que as ações recuperaram seu valor menos de seis meses após a estabilização da proliferação do vírus”, escreveram os analistas, em relatório.

Em 2003, indica o estudo, as siderúrgicas brasileiras acabaram superando o desempenho do Ibovespa em 73%. Ao mesmo tempo, mineradoras e produtores de celulose tiveram performance 34% e 10% inferior à do índice no primeiro semestre daquele ano, mas mais do que anularam o desempenho negativo em termos absolutos no segundo semestre, com ganhos 26% e 10% acima do Ibovespa, respectivamente.

Minério de ferro e cobre são as commodities mais expostas ao mercado chinês, lembram os analistas, acrescentando que cerca de 48% e 31%, respectivamente, do resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) da Vale e da CSN estão relacionados ao país asiático.

“Durante os meses de pico da epidemia de Sars, a produção de aço bruto e as importações de cobre na China cresceram a uma média anual de 22% e 53%, respectivamente, indicando que não há um impacto claro no mercado físico”, escreveram.

Os preços do cobre, por sua vez, recuaram 11% entre fevereiro e abril de 2003 por causa do sentimento negativo no mercado, mas retornaram aos níveis anteriores já no fim de maio do mesmo ano.

Ao mesmo tempo, o país asiático é o principal motor de crescimento da demanda global de celulose, com peso de 43% no Ebitda da Suzano e de 15% no da Klabin. Durante a crise de Sars, conforme relatório dos analistas, o impacto também foi limitado nos mercados físicos e os preços da celulose de fibra curta e de fibra longa mantiveram-se em tendência de alta, na esteira do crescimento de 18% da produção chinesa de papel.

“Contudo, dado que se espera que a China impulsione o crescimento estimado para o setor até 2023, uma revisão negativa das taxas de expansão da demanda por celulose podem adiar a tão esperada recuperação dos preços”, ponderaram os analistas.