Valor Econômico, v.20, n. 4931, 31/01/2020. Brasil p.A2

 

Contratação temporária de servidor em cenário de risco pode entrar na reforma


Modelo em discussão prevê admissão com prazo de validade, sem gerar compromisso financeiro de décadas para o governo

Fabio Graner

Na reforma administrativa que o governo pretende enviar no próximo mês, uma das ideias em estudo é alterar o sistema de contratações temporárias. A intenção em estudo, segundo apurou o Valor, é incluir uma hipótese de admissão com prazo determinado para atender demandas previamente mapeadas, antes de situações emergenciais se materializarem. Dessa forma, ao se antecipar um cenário de risco, a contratação seria feita, mas com prazo de validade, sem gerar um compromisso financeiro de décadas para o governo.

Prevista na Constituição, a contratação temporária está regida pela lei 8.745, de 1993. Conforme o Ministério da Economia, esse tipo de contratação tem a “finalidade de atender à necessidade temporária de excepcional interesse público” e “é uma das medidas que podem ser adotadas para o fortalecimento da capacidade institucional dos órgãos da administração pública federal”. A lei também autoriza em situações não emergenciais para casos específicos e explicitados nela, como os contratados para o censo do IBGE. A ideia é ampliar esse tipo de possibilidade.

Na avaliação de fontes do governo ouvidas pelo Valor, se esse desenho existisse hoje, os problemas de filas do INSS poderiam ter sido prevenidos e atacados por meio desse tipo de contratação. “Não faz sentido fazer concurso para vagas permanentes e ficar décadas com essa despesa para um problema que poderia ser resolvido em um ou dois anos”, disse uma fonte.

O ministro Paulo Guedes disse ontem que pretende enviar a proposta de reforma administrativa em duas ou três semanas. Auxiliares dele já têm se encontrado com diversos ministros para explicar o modelo que será apresentado ao Congresso, ouvir sugestões e deixar claro que a ideia central é mexer daqui para frente.

Apesar disso, algumas minutas mexiam com questões para os atuais servidores, mas dificilmente vão para frente por causa da clara determinação do presidente Jair Bolsonaro de não atacar direitos adquiridos.

A reforma administrativa é feita a partir de um amplo diagnóstico, feito a partir de estudos internos e externos (como o do Banco Mundial no ano passado) sobre a situação do funcionalismo no país. A visão é que a máquina é cara e tem baixa produtividade, devido a um desenho mal feito em termos de incentivos para os servidores.

No diagnóstico, constata-se que o setor público no Brasil gastou em 2018 13,8% do Produto Interno Bruto (PIB) com servidores e caminha para, em 2030, chegar a 14,8% de toda a riqueza gerada no país, se nada for feito. Nos Estados Unidos e na Europa, esse indicador é inferior a 10%.

Levantamento do Ministério da Economia mostra que a diferença entre gastos federais com investimento e com pessoal saltou de R$ 187 bilhões em 2003 para R$ 277 bilhões em 2018. Por isso, os técnicos apontam que uma reforma que aproveite a janela de aposentadoria de 42% da força laboral até 2030 abriria espaço para investimentos. Essa relação, contudo, não é linear, pelo menos enquanto estiver valendo o teto de gastos, que limita o aumento de despesas.

Na reforma em fase final de elaboração, entre as principais ideias, estão a redução do número de carreiras no funcionalismo e a elevação da distância entre salários iniciais e finais nas carreiras. Pretende-se também alongar o tempo de serviço que as pessoas em “carreiras de Estado” alcançarão o direito à estabilidade. A reforma será feita primeiramente com mudanças constitucionais, seguida de projetos de lei relativos às carreiras.

 

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Para secretaria, erro de projeção é ‘normal’ e ‘esperado’

SOF diz que adota conservadorismo nas previsões orçamentárias

Fabio Graner

Envolta em uma polêmica sobre mais um erro na projeção de gasto com pessoal do governo, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) em resposta ao Valor disse que a diferença a menor de quase R$ 6 bilhões entre o valor previsto e pago, informada anteontem pelo Tesouro Nacional, é “normal e esperada”. Parte do guarda-chuva da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia assim como o Tesouro, a SOF diz que adota conservadorismo nas previsões orçamentárias.

“O Orçamento, por sua natureza autorizativa, deve ser conservador e prever contingências, ainda que estas nem sempre se realizem”, afirmou a SOF. A secretaria argumenta que há despesas que foram empenhadas e liquidadas até o fim de dezembro e “que constituem uma obrigação de fato, mas que ainda não foram pagas, sendo classificadas como restos a pagar”.

Em suas justificativas, a secretaria comandada por George Soares diz que a diferença de R$ 5,7 bilhões não chegou a 2% e decorre do conservadorismo nas previsões orçamentárias, especialmente tratando-se de uma despesa obrigatória que, muitas vezes, sofre influências de fatores externos ao Poder Executivo”.

Esse argumento, contudo, deixa de lado o fato de que já houve erro semelhante no mesmo ano. Assim, na verdade o desvio foi maior, de quase 4% dos R$ 313,1 bilhões de gastos com pessoal em 2019. Além disso, a projeção mais recente foi para apenas o mês de dezembro, ou seja, com muito pouca margem para imprevisibilidades.

Para efeito de comparação, a despesa da Previdência projetada em dezembro ficou apenas R$ 1 bilhão abaixo da estimativa incluída no relatório extemporâneo de programação orçamentária e financeira. E Previdência é um gasto obrigatório que tem o dobro da magnitude da despesa de pessoal e também está sujeito a intempéries geradas por decisões judiciais.

O problema de um erro de estimativa publicado no relatório é que isso bloqueia o recurso para eventuais outras despesas. Em um Orçamento apertado, é uma questão relevante.

O erro na estimativa feita para o gasto com pessoal foi levantado pelo próprio Tesouro Nacional, na entrevista em que foi divulgado. O secretário Mansueto Almeida evitou justificar ou explicar o erro e recomendou que a SOF e a Secretaria de Gestão (Seges), ambas do ministério da Economia, fossem procuradas, pois elas seriam as responsáveis pelo erro. “Essa projeção não está na minha matriz de responsabilidades”, argumentou.

Na equipe econômica, desde a descoberta do primeiro erro, tornado público apenas em setembro, havia contestações internas sobre os números da SOF. Mas ela optou por manter os dados projetados e incluídos nos documentos oficiais.