Valor Econômico, v.20, n. 4931, 31/01/2020. Brasil p.A6

 

PIB deve crescer a um ritmo de 3%, diz Lopes


Ex-presidente do BC está otimista com retomada da economia

Bruno Villas-Bôas

A piora dos indicadores econômicos em novembro não preocupa Francisco Lopes. Ex-presidente do Banco Central, ele está otimista com a recuperação da economia. Para Lopes, o Produto Interno Bruto (PIB) do país deverá chegar a crescer acima de 3% no terceiro trimestre de 2020 na comparação com o mesmo período de 2019.

“Eu vejo a economia consolidando um ritmo de crescimento de 3% ao ano. E, para isso acontecer, é preciso que o investimento cresça acima disso, em 5% ao ano. É factível se a construção civil andar”, diz o economista, dono da consultoria Macrométrica, em entrevista o Valor.

No início de 2019, Lopes também estava otimista com a atividade, cenário que não se confirmou. Segundo ele, eventos como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) e a piora da economia argentina pesaram no resultado, além da forte queda da construção civil no primeiro trimestre do ano passado.

Lopes avalia ainda que a série de polêmicas do governo Bolsonaro não afeta em nada a organização da economia. “Se conseguirmos crescer 3% ao ano nos próximos 20 a 30 anos, ficaremos parecidos com países desenvolvidos mais pobres, como Espanha. É só questão de não fazer maluquice, não querer fazer milagre”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Indicadores sugerem uma “rateada” na atividade econômica em novembro. Foi um soluço ou há perda de ritmo da recuperação?

Francisco Lopes: Na indústria de transformação vi algo mais fraco por causa do setor automobilístico, um efeito da economia da Argentina. Quando ficou claro que Mauricio Macri perderia as eleições presidenciais, houve uma desaceleração. Só que dois terços do PIB brasileiro são formados por serviços, um setor difícil de ser acompanhado. É muito amplo, com comportamento estranho, vide a dificuldade do Banco Central de acompanhá-lo em seu indicador mensal de atividade. Mas não creio tenha havido desaceleração da retomada da economia. Para mim, há soluços. No ano de 2019, em geral, existe um impressão de baixo crescimento, o que tem a ver com impactos ao longo do ano.

Valor: Em artigo no Valor, o senhor diz que a economia cresceu mais rapidamente em 2019 do que a média anual do PIB sugere. A economia finalmente engrenou?

Lopes: As projeções do boletim Focus são de crescimento de 1,17% do PIB em 2019. Olhar para a média anual do PIB não é tão complicado em condições normais, mas é em períodos de oscilação. A média do ano fica contaminada pelo ano anterior. Neste caso, é melhor comparar o PIB do quarto trimestre com o mesmo período do ano anterior, que chamo de “4T”. As projeções do Focus embutem uma taxa de crescimento de 1,8% do PIB no quarto trimestre, frente ao mesmo período de 2018. Em 2020, no terceiro trimestre, a economia estará crescendo mais de 3% frente ao terceiro trimestre de 2019. Se tudo estiver arrumado, nada freando, a economia tende a crescer em ritmo normal. Tivemos tanto tempo de recessão que ficamos com a ideia que o normal é a economia não crescer. Precisamos explicar o porquê de o PIB crescer, o que é uma deformação. Antes, não era assim. Todos achavam normal crescer 4% ao ano durante o governo Lula. Mas tivemos a recessão do governo Dilma Rousseff e, depois, recuperação lenta do governo Michel Temer, nesse caso muito devido a fatores como a greve dos caminhoneiros e a crise econômica da Argentina.

Valor: No início de 2019 o senhor também estava otimista com a atividade, mas o otimismo não se confirmou. O que houve?

Lopes: Alguns pontos fundamentais ocorreram. Um é a extrativa mineral, o efeito do rompimento da barragem de Brumadinho, e como afetou decisões operacionais da Vale na extração de minério. O impacto de Brumadinho se prolongou ao longo do ano. Outro importante impacto veio da indústria automobilística, com crise da economia da Argentina, que é muito integrada ao Brasil. O crescimento baixo, olhando para o desempenho médio do ano, tem muito a ver com o resultado da atividade no primeiro trimestre: o PIB cresceu apenas 0,6% no primeiro trimestre de 2019 em relação ao mesmo período de 2018. A construção civil teve forte queda no primeiro trimestre. Tem a ver também com os gastos do setor público.

Valor: Então, o que deve puxar essa aceleração da atividade em 2020? Consumo das famílias e investimento ou apenas o primeiro?

Lopes: O consumo das famílias vai crescer como resultado do avanço da renda. Mas o que vai puxar o PIB é a formação bruta de capital fixo, que é a construção civil e os bens de capital. É isso que cresce pouco e que precisa voltar a crescer mais. Eu vejo a economia consolidando um ritmo de crescimento de 3% ao ano. E, para isso acontecer, é preciso que o investimento cresça acima do PIB, em 5% ao ano. Isso é factível se a construção andar. No governo Lula, a construção crescia, no mínimo, 6% ao ano. Eram obras de metrô, Copa do Mundo, Olimpíada. Com essa expansão veio também a Lava-Jato. Além disso, o setor crescia bastante alavancado e, de repente, mergulhou em uma forte crise, tornando-se bastante fragilizado. Muitas empresas ficaram em situação patrimonial difícil. Veremos a partir de agora um trabalho de reconstrução. Também por isso achei interessante o ministro Paulo Guedes anunciar que vai deixar construtoras estrangeiras entrarem no mercado.

Valor: A escola de Chicago ensina que a iniciativa privada assume o espaço deixado pelo governo quando há reformas e a redução da participação do setor público. Isso já está acontecendo?

Lopes: O PIB Administração, Saúde e Educação Pública deverá ficar próximo a zero ou negativo, limitado pelo teto dos gastos. Esse crescimento nulo tem impacto negativo de 0,5 ponto do PIB. Então, o setor privado precisa ocupar esse espaço. Isso também depende da recuperação da construção civil. O setor imobiliário está se recuperando, principalmente em São Paulo. Se a economia der sinais de que vai crescer mais, a produção de bens de capital acompanha. O Brasil saiu da UTI, está no quarto. Não tem risco de morte. A economia é como o nosso organismo, tende a melhorar, se recuperar. Não faz sentido a construção civil ficar no negativo se a coisa voltar ao normal. O emprego melhora, a massa salarial melhora. Bem ou mal, os serviços se recuperam.

Valor: Dentro desse cenário de recuperação mais acelerada, como ficam a inflação e os juros?

Lopes: Tivemos um ruído recente na inflação, com os preços das carnes. Vamos ver taxas de inflação na faixa de 1% em dezembro e janeiro. Mas não é um tendência para os preços, é um choque, bem identificado. Não vai exigir nenhuma reação do Banco Central. A dúvida é só a velocidade que o preço da carne vai cair. Estou prevendo que o IPCA Alimento ficará com taxa negativa a partir de março. Nesse cenário, a Selic deve ficar congelada nesse patamar de 4,5% ao ano. Com a Selic nesse nível e a inflação nesse nível, temos uma taxa real efetiva da Selic abaixo de 1%. Já é uma taxa altamente estimulativa.

Valor: O governo federal quer enviar as reformas tributária e administrativa ao Congresso antes do Carnaval e tentar aprová-las neste ano. O senhor está otimista com o andamento das reformas?

Lopes: Não vejo grande sucesso como foi a reforma da Previdência, mas pode ter pequenos ganhos de aumentar a eficiência do setor público, desburocratização, simplificação. Criam ambiente favorável ao negócio. Sou otimista com o Brasil porque temos uma construção institucional nos últimos 30 anos, que foi consequência não do liberalismo atual, mas da social-democracia, como o plano Real, o Banco Central bem aparelhado e o programa de teto de gastos. Se o Brasil consolidar uma trajetória de crescimento de 3% ao ano, poderá apresentar avanço de 2,5% de PIB per capita ao ano, já que o crescimento demográfico está baixo. Sou otimista nesse sentido, não precisamos crescer 6% ou 7% como os países asiáticos. Se conseguirmos crescer 3% nos próximos 20 a 30 anos, ficaremos parecidos com países desenvolvidos mais pobres, como Espanha. É só questão de não fazer maluquice, não querer fazer milagre. Quando comparamos o Brasil com países como Argentina, por exemplo, vemos como avançamos. Mercados funcionam, governo funciona.

Valor: O governo vive numa sucessão de polêmicas, o presidente ou seus ministros. Como isso pode atrapalhar?

Lopes: Acho absolutamente irrelevante essas minicrises do governo do ponto de vista da organização econômica. Não existe isso. Tudo está sendo feito dentro de um projeto do ministro Paulo Guedes, que é liberal, o que empresários gostam: reduzir governo, intervir menos, reduzir impostos. É claro que qualquer empresário olha a política e vê um bando de gente brigando. E vai dizer publicamente que está preocupado porque o meio ambiente é fundamental. Mas, na hora de investir Se ele acha que tem mercado, vai investir.

 

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Carne bovina interrompe alta e leva IGP-M a desacelerar em janeiro


Tendência deve se aprofundar nos próximos meses, segundo FGV

Arícia Martins

Depois de pressionar a inflação no último bimestre de 2019, o choque de oferta das carnes está sendo devolvido com rapidez e freou a alta dos preços no atacado, tendência que deve se aprofundar nos próximos meses, avalia a Fundação Getulio Vargas (FGV). Divulgado ontem pela entidade, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) desacelerou de 2,09% para 0,48% entre dezembro e janeiro. O indicador ficou abaixo da estimativa mediana de 29 analistas consultados pelo Valor Data, de 0,54%. Em 12 meses, o IGP-M acumula alta de 7,81%.

Com peso de 60% no indicador geral, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) subiu 0,50% no mês atual, ante 2,84% na medição anterior. Segundo André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, as proteínas animais, tanto no estágio bruto quanto processado, explicam a forte desaceleração, que está em fase inicial.

Nos bens finais, as carnes bovinas caíram 3,15%, após terem subido 20,37% no mês passado, mas ainda acumulam avanço de 29,59% em 12 meses, destacou Braz. Dentro das matérias-primas brutas, os bovinos deixaram alta de 19,57% e, agora, caíram 5,83%. Nos 12 meses até janeiro, no entanto, o aumento é de 28,98%.

“Pelas taxas acumuladas, a descompressão de preços deve continuar nos próximos meses, mas vai parar em algum momento”, disse. “Não se espera que os preços voltem ao patamar de outubro.” Isso também vale para as carnes de aves e suínos, acrescentou Braz, que subiram 17,4% e 31,2% nos 12 meses até janeiro no índice de bens finais, respectivamente.

De acordo com o economista, a normalização das condições de oferta explica a deflação dos preços de proteínas, que está sendo repassada com rapidez ao varejo. “A transmissão foi rápida na alta de preços e será rápida na baixa”, disse Braz, o que aponta cenário tranquilo para a inflação ao consumidor no curto prazo.

Em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor - M (IPC-M), que responde por 30% dos IGPs, aumentou 0,52%. Em dezembro, subiu 0,84%. O maior vetor de desaceleração partiu do grupo alimentação, cuja alta diminuiu de 2,36% para 1,22% na passagem mensal. As carnes deram salto de 18% um mês antes e, agora, avançaram 1,95%, observa o coordenador do IPC. “Os preços não caíram, mas avançaram pouco em relação a dezembro.” Em igual comparação, a alta do frango em pedaços cedeu de 3,81% para 1,95%, enquanto a carne suína desacelerou de 8,6% para 2,85%.

A perda de fôlego da inflação no varejo só não foi maior porque, pela metodologia da FGV, os reajustes de mensalidades escolares e outros cursos são captados pelo IPC no primeiro mês do ano. Por isso, a parte de educação acelerou a 0,66% neste mês, vindo de 0,60% em dezembro.

No mês que vem, esse efeito já vai sair do índice e as carnes vão seguir perdendo força, diz Braz, o que sinaliza um IPC menor para o mês. “A inflação começou um pouco mais alta no primeiro trimestre, mas vai desacelerar bem”, comentou.

Para o economista, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, que baliza o sistema de metas inflacionárias, deve encerrar 2020 abaixo de 4%. “Os núcleos e serviços estão sem grandes pressões, o que reforça a confiança de que 2020 é um ano factível para o cumprimento da meta.”

 

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Após duas elevações seguidas, confiança em serviços recua


Melhora da atividade pode não se refletir nas expectativas do setor, afirma economista da FGV

 

Alessandra Saraiva

Após duas altas consecutivas, o Índice de Confiança do setor de Serviços (ICS) caiu 0,1 ponto em janeiro ante dezembro do ano passado, para 96,1 pontos - o menor patamar desde novembro do ano passado (95,5 pontos), informou ontem a Fundação Getulio Vargas (FGV).

A ausência de retomada mais firme no emprego derrubou a confiança do setor de serviços. Segundo o economista da FGV Rodolpho Tobler, caso o mercado de trabalho não mostre reação mais firme, uma recuperação mais rápida da confiança do setor deve ficar para 2021. “A falta de uma retomada maior no emprego é o grande entrave para a recuperação da confiança.”

O especialista comentou que, no fim de 2019, os resultados do índice foram beneficiados por fatores passageiros que elevaram o poder aquisitivo das famílias, com impacto benéfico na demanda do setor de serviços. É o caso da autorização de saque de parte do FGTS e do PIS/Pasep, além de pagamentos de 13º salário e bonificações.

Esses mesmos fatores não existem em janeiro, mês que já é conhecido por orçamento familiar mais apertado, devido às necessidades de pagamento de reajustes em mensalidades escolares e de impostos como o IPVA.

O problema é que, até o momento, não há sinais de reação mais robusta no mercado de trabalho, observou o economista. Na sondagem de serviços, pesquisa do qual o ICS é indicador-síntese, o indicador de emprego previsto para os próximos meses caiu 0,8 ponto entre dezembro e janeiro, para 108,7 pontos, menor desde novembro do ano passado (107,8 pontos).

Isso levou o Índice de Situação Atual (ISA-S), um dos dois indicadores componentes do ICS, a cair 1,4 ponto entre dezembro de 2019 para janeiro deste ano, para 91,5 pontos, menor nível desde setembro de 2019 (90,2 pontos).

Mas a confiança no futuro ainda opera em alta. O Índice de Expectativas (IE-S) subiu 1,2 ponto, para 100,9 pontos, o maior valor desde janeiro de 2019 (104,6 pontos). Isso indica que o empresariado do setor está confiante de melhora na economia, bem como na atividade de serviços ao longo do ano - mas que esse cenário mais benéfico ainda não atingiu o momento presente. “É difícil imaginar uma recuperação mais forte na confiança, dado que não houve melhora na situação atual”, admitiu. Assim, a eventual melhora da atividade pode não se refletir nas expectativas do setor.