Valor Econômico, v. 20, n. 4812, 10/08/2019. Política, p. A8

Bolsonaro acusa Receita Federal de perseguir sua família

Raphael Di Cunto



O presidente Jair Bolsonaro reclamou em reunião na quarta-feira com o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, sobre o que seria, na visão dele, uma "perseguição" a sua família por conta de uma ação da Receita Federal contra um de seus irmãos, que é comerciante no interior de São Paulo, segundo o Valor apurou com fontes que ouviram relatos do encontro.

Procurados, nem Cintra nem Bolsonaro negaram o teor da conversa. O secretário da Receita respondeu, por meio de sua assessoria, "que não comenta reuniões com o presidente". A assessoria de imprensa da Presidência disse "que o [Palácio do] Planalto não vai se pronunciar".

Bolsonaro já estava insatisfeito com as ações de auditores tributários que atuam no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que produziu relatórios sobre movimentações de um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e de seus assessores, e identificaram depósitos suspeitos em dinheiro para o ex-chefe de gabinete de Flávio, Fabrício Queiroz.

Para o presidente, essas ações são uma perseguição de "petistas" infiltrados nos órgãos de fiscalização para atingir sua família, com o objetivo de desestabilizar seu governo. Segundo essas fontes, Bolsonaro reclamou fortemente com Cintra, pediu providências para que seus familiares sejam tratados como "pessoas comuns" e solicitou informações de aliados sobre os "infiltrados".

Um dos alvos é a chefe do centro de atendimento da Receita Federal na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que cuida dos processos relativos à região onde mora a família Bolsonaro. Nomeada no governo Michel Temer, ela compartilha críticas contra a atual gestão em suas redes sociais. Outro foco é a fusão da superintendência da Receita em Minas Gerais com a do Espírito Santo e Rio de Janeiro, vista como o momento para trocar o responsável pela área.

O caso do Coaf gerou desgaste com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Bolsonaro está irritado com o ex-juiz da Lava-Jato por entender que o defendeu sobre o vazamento de mensagens de celular reveladas pelo site "The Intercept", mas que o ministro atuou para reverter a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que suspendeu todo o compartilhamento de informações do Coaf a pedido de Flávio.

O presidente relatou a deputados, em um café na semana passada, que ficou sabendo pela imprensa de uma reunião entre Moro e Toffoli no fim de julho, quando o ministro tentou convencer o presidente do STF a rever sua decisão - que paralisou investigações da Polícia Federal e do Coaf em todo o país, e não apenas o processo relativo a Flávio.

Bolsonaro está especialmente irritado com um dos principais aliados de Moro no governo, o presidente do Coaf, Roberto Leonel, que deu entrevista criticando a liminar de Toffoli. O presidente ordenou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, o substitua. Guedes está em busca de uma solução e a alternativa, já tornada de conhecimento público, é transferir o controle do Coaf para o Banco Central.

Apesar da irritação, o presidente declarou que está satisfeito com o trabalho de Moro na área de segurança pública. Um gesto para mostrar alinhamento foi colocar Moro em uma de suas "lives" semanais no Facebook, onde trata de assuntos variados. O presidente não falou isso na reunião, mas o aliado que ouviu os elogios interpretou que o ministro ainda tem prestígio fora do governo e demiti-lo agora significaria um baque na imagem de combate à corrupção e do próprio governo.

Com o desgaste de Moro e contestações à Lava-Jato, deputados se organizam para aprovar, esta semana, o projeto que endurece a legislação sobre abuso de autoridade e torna crime práticas adotadas pela investigação, como conduzir coercitivamente uma testemunha ou acusado antes de chamá-lo a depor e vazar informações que estão sob sigilo.