Valor Econômico, v. 20, n. 4812, 10/08/2019. Opinião, p. A10

Previdência permite que país opere com juros mais baixos


 

A aprovação da reforma da Previdência deverá ter efeitos positivos de longo prazo na economia, contribuindo para que os juros vigentes dentro do país continuem a sua trajetória de convergência para padrões civilizados. Mas não representam uma bala de prata: será necessário persistir na agenda de reformas fiscais e de aumento da produtividade para reduzir os níveis de risco da economia.

Em ata da sua mais recente reunião, divulgada na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central discute os diversos canais pelos quais a reforma da Previdência poderá contribuir para reduzir a chamada taxa de juros estrutural da economia, entendida como aquela que coloca a economia em equilíbrio, ou seja, num nível de atividade compatível com a capacidade produtiva, que não leva a aceleração nem queda da inflação.

É uma questão em aberto o quanto, exatamente, a queda dos juros estruturais poderá permitir cortes no curto prazo da taxa Selic. Essa é, certamente, uma variável que deverá ser considerada nas decisões do Copom, ainda mais num ambiente de inflação abaixo das metas e de alto nível de capacidade ociosa da economia.

O entendimento do Copom é que, no Brasil, os juros estruturais têm dois componentes principais: uma taxa livre de risco e um prêmio de risco. É uma situação diferente de economias maduras, em que o prêmio de risco é reduzido e a taxa de juros estrutural é formada basicamente pela parte livre de risco. Nessas situações, os juros estruturais são definidos basicamente por fatores que determinam consumo e poupança, de um lado, e investimento, de outro.

Nessa parcela livre de risco dos juros estruturais, a reforma da Previdência tem efeitos ambíguos e incertos. São grandes as chances de que a reforma leve a uma redução na chamada despoupança do setor público, o que na prática representa um nível de gastos acima das receitas que leva os governos a absorverem a poupança do setor privado para fechar as suas contas. Em tese, esse efeito poderia reduzir o juro estrutural.

Mas não se deve superestimá-lo. A reforma da Previdência apenas estabiliza a despesa com benefícios previdenciários em relação do Produto Interno Bruto (PIB). Uma parte relevante do setor público - os governos locais - ainda estão fora da reforma. Além disso, será preciso observar, ao longo do tempo, se haverá mesmo uma economia de gastos ou se os governos vão apenas abrir espaço para outras despesas. Para evitar que isso ocorra, é fundamental que o teto de gastos produza os efeitos esperados.

O Banco Central menciona a possibilidade de a reforma da Previdência levar a uma mudança de comportamento da população. Com a queda dos benefícios esperados na velhice, trabalhadores tenderiam a consumir menos e a poupar mais. É provável que isso, de fato, ocorra. Essa teoria, porém, assume a hipótese de que os agentes econômicos sejam perfeitamente racionais. A experiência internacional mostra que, na prática, reformas da previdência não provocaram, necessariamente, aumento da poupança do setor privado.

A aprovação da reforma da Previdência, por outro lado, poderia ter efeitos também no aumento dos investimentos, ao reforçar a confiança do empresariado num ciclo de crescimento sustentado da economia. Esse fator, em tese, tenderia a pressionar a taxa de juros estrutural da economia.

Mas o Banco Central argumenta que, no caso do Brasil, a reforma da Previdência terá efeitos relevantes nos prêmios de risco. Esse argumento parece correto - a insustentável trajetória da dívida pública coloca pressão em todas as taxas de juros da economia. Embora não resolva todos os problemas, s mudanças no sistema de aposentadorias e pensões ajudam a fortalecer a posição fiscal do país, atenuando um risco relevante.

Igualmente importante é o efeito que poderá ter nos níveis de produtividade e na capacidade de crescimento de longo prazo da economia, quando a despesa pública dá um passo atrás e abre mais espaço para o setor privado. A fragilidade fiscal do Brasil está relacionada, em boa medida, à baixa taxa de crescimento nas últimas décadas.

Quedas adicionais dos juros estruturais dependerão da continuidade das reformas para reduzir prêmios de risco. Embora muito importante, a Previdência não garante sozinha o equilíbrio fiscal nem soluciona todas as distorções da economia que prendem o país na armadilha do baixo crescimento econômico.