Valor Econômico, v.20, n. 4923, 21/01/2020. Brasil p.A3

 

Leilões adiados tiram R$ 24,5 bi do resultado primário de 2020


Ausência de receita extraordinária pode elevar déficit na comparação com o ano passado

Ribamar Oliveira

Os leilões dos campos de petróleo de Sépia e Atapu, localizados na chamada área da cessão onerosa no pré-sal, deverão ficar mesmo para o próximo ano, revelou uma fonte credenciada do governo ao Valor.

Assim, o governo não vai poder contar neste ano com os R$ 24,5 bilhões que receberia a título de bônus de assinatura dos dois campos e que seriam utilizados para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) deste ano, projetado em R$ 124,1 bilhões.

Os Estados e municípios também não receberão neste ano os R$ 12,08 bilhões, previstos inicialmente, o que correspondia a 33% do valor do bônus que o governo Bolsonaro decidiu dividir com as prefeituras e governos estaduais.

A mesma fonte informou que o leilão da sétima rodada de partilha de produção no pré-sal, prevista para ser realizada neste ano, provavelmente também ficará para 2021. O governo deverá contar, assim mesmo se apressar os entendimentos, apenas com a receita a ser obtida com a 17ª rodada de concessões, mas, neste caso, os recursos a serem arrecadados não serão significativos.

No ano passado, a receita com os leilões de petróleo atingiu R$ 83,9 bilhões - neste valor recorde estão incluídos os recursos obtidos com os leilões dos campos de Búzios e Itapu, localizados na área da cessão onerosa, com a sexta rodada de partilha de produção e com a 16ª rodada de concessões.

A receita dos leilões do petróleo foi a principal razão para a queda do déficit primário do governo central em 2019, que deve ter ficado em torno de R$ 70 bilhões, muito longe da meta de R$ 139 bilhões, de acordo com projeção feita na semana passada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

No Orçamento da União deste ano, o governo não incluiu as receitas com os leilões de petróleo, consideradas atípicas. Mas, para reduzir o déficit primário projetado para 2020, o governo terá que encontrar receitas atípicas, ou não recorrentes, em outras áreas. Ele já sabe que não obterá esses recursos na área do petróleo. “O ciclo dos grandes leilões de petróleo e dos bônus bilionários acabou”, disse outra fonte da área econômica. Sem receitas atípicas em volume significativo, a expectativa é que o déficit primário deste ano seja maior do que o de 2019.

A decisão do governo de mudar a modelagem dos leilões dos campos de Sépia e Atapu é que adiará a realização dos eventos para o próximo ano. O governo deve reduzir o valor do bônus de assinatura ou diminuir o percentual de partilha do óleo dos dois campos com a União, além de acabar com o direito de preferência da Petrobras nos leilões realizados sob o regime de partilha de produção.

Para isso, no entanto, terá que submeter a proposta ao Congresso Nacional, pois será necessário alterar a lei 12.351/2010. Há também toda uma negociação a ser feita com o Tribunal de Contas da União (TCU), que acompanha o acordo entre a Petrobras e a União na área da cessão onerosa.

Em entrevista ontem ao Valor, o ministro do TCU Raimundo Carreiro, relator dos processos de desestatização referente aos leilões dos volumes excedentes da cessão onerosa, informou que os novos leilões de Sépia e Atapu seguirão os mesmos procedimentos anteriores. “Vai começar tudo de novo”, observou. Ele, pessoalmente, defende que sejam utilizados os estudos já existentes sobre os dois campos.

Carrero considera que o fim do direito de preferência à Petrobras é um dos aperfeiçoamentos a serem feitos no modelo de partilha de produção. Em novembro do ano passado, durante pronunciamento no plenário do tribunal, ele disse que, sem o direito de preferência, todos os licitantes, inclusive a Petrobras, poderão disputar em condições de igualdade a totalidade do contrato e a condição de operador.

“Nessa situação, espera-se maior nível de competitividade no certame, o que, potencialmente, valorizará as ofertas”, disse Carrero. Para o ministro, essas discussões “são da competência do Parlamento brasileiro, que tem a legitimidade para conduzir o debate”.

 

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Perda de preferência não incomoda Petrobras


Críticas ao modelo da licitação encontram eco dentro do próprio comando da estatal

André Ramalho

intenção do governo de eliminar o direito de preferência da Petrobras na aquisição de áreas do pré-sal nos leilões sob o regime de partilha não deve encontrar resistência dentro da estatal. Críticas ao modelo da licitação encontram eco dentro do próprio comando da petroleira, que já fez manifestações públicas contra a sua vantagem nas rodadas de partilha.

O direito de preferência foi apontado, no ano passado, como um dos principais vilões para o fracasso da sexta rodada de partilha, em novembro. Na ocasião, a Petrobras manifestou o direito por três das cinco áreas ofertadas, mas desistiu, na hora, da compra de duas delas (Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava). Ao fim da licitação, apenas um ativo foi arrematado no leilão.

“Ao fazer isso, ela inibiu a concorrência, porque outras companhias poderiam se interessar em fazer oferta na condição de operadoras”, disse o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, na ocasião, ao justificar a frustração com o resultado da rodada.

Pelas regras da partilha, a Petrobras tem o direito de cobrir qualquer oferta em caso de derrota nas áreas pelas quais tenha manifestado previamente o interesse. Com isso, as petroleiras se sentem pouco estimuladas a competir pelas mesmas áreas de interesse da estatal. Em 2018, na quarta rodada, por exemplo, a Shell tentou concorrer pela área de Três Marias e apresentou uma oferta superior à do consórcio liderado pela estatal. A brasileira, porém, cobriu a proposta e abocanhou o ativo, jogando a Shell, que tinha pretensão de assumir a operação da área, para a posição de sócia minoritária.

A ausência das multinacionais na sexta rodada, portanto, foi vista como um recado claro de que a regra que dá à Petrobras o direito de preferência pela aquisição dos ativos “saturou” e precisa ser revista. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, chegou a dizer, na ocasião, que o direito de preferência da Petrobras “não parece ser de bom senso”.

Em meio à repercussão negativa do episódio, o alto comando da Petrobras fez coro às críticas ao modelo. Em referência ao direito de preferência, o diretor-executivo de relacionamento institucional da empresa, Roberto Ardenghy, disse em novembro que a estatal é contra o que chamou de “privilégios”.

“A Petrobras não quer privilégio nenhum. Temos condições de competir em igualdade de competição com os nossos colegas da [norte-americana] Exxon e da [britânica] BP ”, afirmou.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse também em novembro, em entrevista ao jornal “O Globo”, que “não quer monopólios”. O executivo, aliás, é um defensor do fim do regime de partilha como um todo.

Giovani Loss, sócio do Mattos Filho Advogados e especialista em petróleo e energia, destaca que o fim do direito de preferência da Petrobras é positivo para a competitividade dos leilões e pode, ao fim, desencadear uma discussão ainda maior sobre o fim do regime de partilha. Ele lembra, no entanto, que os dois temas precisam passar pelo Congresso e que, para este ano, a tendência é que apenas o fim da preferência da estatal avance. “Já há um projeto de lei sobre o assunto tramitando no Congresso. E sua tramitação é menos polêmica do que encerrar o regime de partilha. É uma discussão menos acalorada”, comentou.