Valor Econômico, v.20, n. 4925, 23/01/2020. Brasil p.A4

 

Liminares do STF ameaçam contas públicas, diz procuradoria do TCU


Ordens do Supremo que desbloquearam recursos federais destinados a Estados e municípios inadimplentes estão na mira

Murilo Camarotto

Fabio Graner

O Ministério Público de Contas (MP-TCU) solicitou um levantamento detalhado sobre os efeitos de decisões liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) nas contas públicas. Estão no alvo, entre outras coisas, ordens que desbloquearam recursos federais destinados a Estados e municípios que se encontram inadimplentes com a União e outros credores.

O movimento foi bem recebido por integrantes da área econômica do governo, que tem promovido algumas conversas com o Judiciário para explicar os problemas fiscais de longo prazo causados por essas decisões, em especial quando não são definitivas. É que os governadores acabam sempre privilegiando sua conjuntura de curto prazo, respaldados em decisões da Justiça, e não atacam de forma permanente a questão fiscal, que seria crucial para garantir o financiamento das políticas públicas.

Uma das facetas mais claras é o fato de o Tesouro estar honrando empréstimos não pagos pelos Estados, mas enfrentando dificuldade de executar as contragarantias, como bloquear o repasse do Fundo de Participação dos Estados, por decisões judiciais.

A representação da procuradoria tratando dos problemas gerados pelas liminares foi encaminhada nesta semana ao presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro. Autor do documento, o procurador Lucas Furtado pede que o órgão de controle “decida pela adoção das medidas necessárias a conhecer e avaliar os reflexos negativos aos cofres públicos” das decisões liminares do STF.

“Chama-me atenção o modo como o Poder Judiciário - em especial o STF - vem tomando decisões de forma precária, através de liminares, e que, aparentemente, estão permitindo que Estados recebam recursos em descumprimento de disposições e limites estabelecidos na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]”, diz.

Além do descontingenciamento de recursos federais repassados a outros entes, o procurador incluiu no pedido de análise as liminares que determinam a retirada de Estados e municípios de cadastros restritivos da União, bem como ordens para a equiparação do teto salarial dos professores universitários das redes estaduais com a federal.

Furtado reproduziu na representação reportagens que tratam exatamente das liminares proferidas pelo STF. Consta, por exemplo, a ordem recente do presidente do Supremo, Dias Toffoli, para o descontingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para os Estados e também o Distrito Federal.

Também é mencionada uma liminar de Toffoli determinando a retirada do Amazonas e do Amapá dos cadastros de inadimplência da União. A inclusão foi feita após surgirem suspeitas de irregularidades em um convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.

Na ocasião, Dias Toffoli argumentou que “a inscrição do ente federativo no cadastro de inadimplentes sem a garantia do contraditório e da ampla defesa viola o devido processo legal”.

Nesta semana, o presidente do Supremo deferiu uma liminar suspendendo a aplicação de subteto aos professores e pesquisadores das universidades públicas estaduais, que deve valer como teto único aos docentes de instituições de ensino superior públicas do país. O teto federal equivale ao subsídio dos ministros do STF, que hoje é de R$ 39,3 mil.

“Antes da liminar o salário dos professores universitários estaduais poderia chegar, no máximo, ao recebido pelo chefe do Executivo [governadores]. Porém, agora com a equiparação aos professores federais, o teto referencial é o dos provimentos dos ministros da Suprema Corte”, contesta Furtado.

Fonte da área econômica explica que há um ciclo vicioso na relação dos governadores com o Judiciário. No início dos mandatos, os políticos encontram seus Estados com situação precária nas contas e com dificuldades para pagar despesas de saúde. Entram com pedidos de liminar para suspender algumas obrigações levantando a preocupação com as questões sociais. Conseguem decisões favoráveis, aliviando suas despesas, mas nem sempre as direcionam para as áreas sociais. Tampouco equacionam sua saúde fiscal. “A decisão foca no clamor popular, mas depois da liminar para onde vai o dinheiro?”, questiona uma fonte.

O outro problema desse tipo de decisão é piorar o quadro das contas da União. Recente relatório de garantias publicado pelo Tesouro Nacional aponta abertamente o problema. “Os valores honrados pela União ampliam a necessidade de financiamento da dívida pública federal. Contribuíram para o aumento do valor observado em 2019 o impedimento da União em executar contragarantias do Estado do Rio de Janeiro, em razão da adesão do ente ao regime de Recuperação Fiscal, e dos Estados de Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e do Amapá, em razão de decisões liminares”, aponta o documento, que informou a despesa de R$ 8,35 bilhões em 2019, recorde da série, subindo 73% ante 2018.