Valor Econômico, v. 20, n. 4889, 28/11/2019. Política, p. A16

STF deve facilitar compartilhamento de dados

Luísa Martins
Isadora Peron


O Supremo Tribunal Federal (STF) caminha para dispensar a necessidade de aval judicial prévio ao compartilhamento, por parte de órgãos de controle, de dados fiscais sigilosos com o Ministério Público (MP), para fins penais. Ontem, os ministros formaram placar parcial de 5 a 1 para não restringir a transmissão dessas informações pela Receita Federal e pela Unidade de Inteligência (UIF), antigo Coaf. A sessão continua hoje à tarde, faltando apenas mais um voto para que se forme maioria nesse sentido.

Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux acompanharam o ministro Alexandre de Moraes, que na semana passada já havia divergido do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

Até o fim do julgamento, prevalece a liminar, concedida em julho por Toffoli, de suspender investigações que tenham sido abertas com base em dados compartilhados com o MP sem autorização do Judiciário - o que beneficia o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), suspeito de desvio de salários de servidores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Tanto o parlamentar quanto o seu advogado, Frederick Wassef, disseram que somente vão se manifestar depois da conclusão do caso no Supremo.

Relator do recurso em análise pelo plenário, Toffoli votou para que o MP, ao receber uma representação fiscal da Receita, instaure um procedimento investigatório criminal e submeta-o imediatamente à supervisão do Poder Judiciário.

Segundo seu entendimento, os relatórios da Receita podem conter as descrições das movimentações suspeitas e até mesmo os fatos caracterizadores de eventual ilícito, mas não os documentos considerados “sensíveis”, como a íntegra de extratos bancários ou a declaração anual do Imposto de Renda - para esses casos, seria imprescindível a prévia autorização judicial, por tratar-se de quebra de sigilo.

Já os outros cinco entendem que a Receita pode compartilhar todos os dados com o MP, inclusive os “sensíveis”, sem necessidade de autorização judicial.

Em relação ao antigo Coaf, Toffoli afirmou que o compartilhamento de dados está liberado mesmo sem o aval do Judiciário, desde que não seja “sob encomenda”. Ou seja, o MP não pode escolher quem investigar e requerer dados desses cidadãos, sem que eles já sejam alvo de procedimentos criminais.

Se prevalecer esse entendimento, a investigação contra Flávio pode ser paralisada - a defesa tem alegado que as supostas movimentações suspeitas do parlamentar foram encomendadas pelo Ministério Público.

Por outro lado, os demais ministros que votaram até agora entendem que o MP pode solicitar quaisquer informações suspeitas a órgãos de controle, mas não abordaram em seus votos a questão dos requerimentos sob encomenda.

Relator da Operação Lava-Jato, que investiga diversos casos de lavagem de dinheiro na Petrobras, o ministro Fachin afirmou ontem que o antigo Coaf tem o dever de comunicar às autoridades sobre qualquer irregularidade. Limitar esse dever significaria “não observar o âmago e a própria finalidade das atividades mínimas deste órgão”.

Na mesma linha, Barroso apontou que exigir o aval judicial criaria mais uma etapa burocrática com potencial de atrasar ainda mais as investigações sobre a chamada criminalidade do colarinho branco.

“Se o MP tiver que provocar o Judiciário para acessar dados com possíveis indicações de crimes, o juiz obviamente vai dizer que pode. Está implícito o deferimento. E então, da decisão judicial caberá recurso, dando início a mais uma longa peregrinação por todas as instâncias”, frisou.

Em seguida, Rosa também disse não ver inconstitucionalidade no compartilhamento dos dados: “É própria do Estado de Direito a exigência de que a descoberta de condutas potencialmente criminosa por parte de agentes públicos reverbere no âmbito da administração, com acionamento de seus órgãos de investigação para apuração de possíveis delitos. ”

Fux, último a votar na sessão de ontem, manifestou-se no mesmo sentido. “A regra do ‘siga o dinheiro’ é aplicada às inteiras em casos de operações financeiras suspeitas. As autoridades brasileiras só têm condições de perceber se há infração se elas efetivamente seguirem o dinheiro. É só através dessa estratégia que se pode alcançar resultados úteis no combate à corrupção”, disse o ministro.

A sessão de hoje será retomada com o voto dos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

O plenário ainda deve discutir se a tese final ficará restrita à Receita Federal ou se incluirá o compartilhamento de dados sigilosos pelo antigo Coaf. Alguns ministros demonstraram desconforto com uma suposta “ampliação” do escopo do recurso, que inicialmente só trata de dados do Fisco. O caso concreto é o de um posto de gasolina de São Paulo acusado de sonegação de impostos.

Ontem, a ministra Rosa afirmou que sua sugestão de tese final não inclui a UIF (na semana passada, os ministros Marco Aurélio e Lewandowski se manifestaram da mesma forma), mas, caso o julgamento caminhe para expandir o objeto em análise, ela deve acompanhar os colegas.

No início do julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, apontou o problema e apresentou questão de ordem, argumentando que o caso em análise só abrangia a Receita, e não a UIF. Toffoli, no entanto, não submeteu o pedido a julgamento, alegando que cada ministro, em seu voto, falaria individualmente sobre o tema.