Título: Charles Darwin no banco dos réus
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/09/2005, Internacional, p. A8

Cenário: o tribunal de uma pacata cidade nos Estados Unidos. Réu: o cientista Charles Darwin. Começou essa semana, na Pensilvânia, o julgamento que pode abrir um precedente para a contestação oficial da teoria da evolução das espécies. Antes disso, o próprio conceito de ciência é discutido no estado onde fica a primeira escola pública americana a impor aos alunos aulas de biologia sobre a tese do design inteligente. Esta prega a existência de um ser superior ¿ um criador, não necessariamente Deus. O debate não surgiu à toa. O colégio tem o apoio da Casa Branca. Em um governo fortemente influenciado pela direita cristã, George Bush já disse publicamente que aprova o ensino da teoria do design ¿como forma de dar às crianças as duas versões¿. Diante das reações, seu conselheiro para assuntos científicos, John Marburger já atenua:

¿ Não se trata de um conceito científico ¿ disse ontem, a um jornalista americano.

A ação ¿ primeira do gênero no país ¿ foi iniciada por pais de alunos de uma escola de Dover, que decidiu ano passado ler para as crianças o texto polêmico. ¿Porque a teoria de Darwin é uma teoria, está sempre em teste a cada nova descoberta. Não é um fato. (...) O design inteligente é uma explicação para a origem da vida diferente da visão de Darwin¿, diz um trecho. Os professores também orientam estudantes ¿interessados em saber mais sobre o assunto¿ a lerem o livro ¿Of Pandas and People¿ (¿Sobre Pandas e Pessoas¿, em tradução livre).

Apoiados pela União Americana para Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), os pais concluíram que a inclusão de uma teoria não reconhecida como ciência e que sugere a existência de um poder superior fere o princípio constitucional da separação entre igreja e Estado. A escola, por sua vez, sustenta o caráter científico e, portanto, a alternativa a Darwin.

¿ O design inteligente não pode ser testado. Portanto, não é aceito pela comunidade científica ¿ disse o biólogo Kenneth Miller, testemunha dos pais. Também falou, espontaneamente, que é um homem religioso.

¿ O testemunho de Miller é, simplesmente, baseado numa interpretação deturpada. A tese, científica, não tenta tratar de questões religiosas como a natureza e a identidade do criador ¿ explicou o cientista Casey Luskin, testemunha da escola.

A expectativa é que o julgamento dure um mês, especialmente porque traz à tona discussões naturalmente polêmicas sobre o que é ciência, fé e o conflito entre os dois, além da origem da vida em si.

¿ O que vocês estão fazendo é dizer aos estudantes que a ciência não é algo confiável e, certamente, não é o tipo de profissão que eles seguiriam ¿ disse Miller.

¿ Ninguém aqui está fingindo que o design inteligente é uma unanimidade. O que refutamos é o argumento de que não há controvérsia entre cientistas ¿ disse Luskin, criticando os que definem a teoria de Darwin como inquestionável.

Os advogados dos pais de Dover querem provar que o design inteligente é ¿a versão do século 21 do criacionismo¿, como disse um deles, Eric Rothschild, ontem durante a audiência. A comparação é quase ofensiva para os defensores da teoria, que sempre se apressam em dizer que são duas coisas diferentes ¿ o criacionismo é baseado no Gênesis, livro da Bíblia que fala da criação do mundo e do homem. Os adeptos do design inteligente atacam Darwin porque não explica a origem da vida. Portanto, segundo a teoria, é necessária a existência de uma força superior que pode ser até, defendem alguns, um organismo extraterrestre.

Os cientistas que atacam o design inteligente, por sua vez, argumentam que a descoberta da origem da vida é uma questão de tempo. Também argumentam que os defensores da nova teoria vivem de atacar falhas em Darwin, mas não oferecem provas que corroborem suas próprias idéias.