Valor Econômico, v. 20, n. 4849, 02/10/2019. Política, p. A6

Governo desiste de economia maior em Previdência

Raphael Di Cunto
Renan Truffi


O governo federal desistiu de aumentar a economia com a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência na votação no Senado e, para evitar turbulências na votação, apoiou ontem a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que reduziu o impacto fiscal em dez anos dos R$ 933 bilhões aprovados pela Câmara dos Deputados há dois meses para R$ 876,7 bilhões. A principal modificação foi vetar pensões por morte abaixo de um salário mínimo (equivalente a R$ 998).

Outra alteração feita por Tasso, mas que poderia ser revertida ontem pelo plenário, foi rejeitar a cobrança de alíquota previdenciária sobre anistiados políticos e do veto a que eles acumulem esses pagamentos com aposentadorias. O tucano defendeu a exclusão, dizendo que se tratava de retaliação, mas o senador Márcio Bittar (MDB-AC) propôs emenda para reincluir ponto no texto, o que poderia aumentar a economia em R$ 5 bilhões numa década.

A votação da PEC ainda não havia ocorrido até o fechamento desta edição. Era necessário o voto favorável de 49 dos 81 senadores. Com apoio da maioria dos partidos, o governo e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), esperavam uma aprovação tranquila do texto principal e a rejeição das emendas. O segundo turno de votação, exigido por se tratar de uma mudança na Constituição, será em 10 de outubro, mas os senadores cobram, antes, medidas econômicas e do pacto federativo (leia abaixo).

Caso aprovado nos dois turnos, parte expressiva da PEC já seguirá para promulgação, sem necessidade de uma segunda votação pela Câmara. Estão nesse rol a idade mínima de aposentadoria, que exigirá que os homens trabalhem até 65 anos e as mulheres, até 62 anos, e o fim das aposentadorias exclusivamente por tempo de contribuição para os civis, que só continuarão a existir para os policiais militares e para as Forças Armadas.

Também iriam à promulgação (caso não fossem aprovadas as emendas da oposição) a restrição do pagamento do abono salarial e a redução no valor de aposentadorias e pensões (que só terão o valor integral com contribuição de 35 anos, para as mulheres, e 40 anos, para os homens). Outros pontos são o fim do desconto dos 20% piores salários-contribuição ao calcular o benefício, o que hoje é permitido para elevar o valor dos benefícios; as alíquotas progressivas de previdência (entre 7,5% e 22%) e que a limitação da aposentadoria integral por invalidez aos que se acidentarem no trabalho.

Após o texto principal, o Senado votaria dez emendas propostas pelos partidos. O Podemos, segunda maior sigla do Senado, propôs rejeitar a proibição de criação de novos regimes próprios de Previdência Social por Estados e municípios e a exigência de que os servidores públicos que estão perto de se aposentar tenham que pagar um “pedágio” de 100% de contribuição a mais à previdência para receberem o valor integral de seus benefícios.

A oposição fez a maioria das emendas e tentava reduzir a idade mínima das mulheres durante o período de transição, modificar as regras de aposentadoria especial para a pessoa com deficiência, elevar o valor da pensão por morte e rejeitar a nova fórmula de cálculo das aposentadorias. A expectativa do governo era pela derrota de todas essas emendas, mas uma proposta, do Cidadania, provocava maior receio por possuir maior apelo entre os partidos favoráveis ao projeto.

O Cidadania defendeu derrubar o corte no abono salarial, hoje pago para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1996) e que, pela PEC, seria devido apenas a quem recebeu salário de até R$ 1364 no ano anterior. A mudança tirará o benefício de 13 milhões de pessoas, o que resultará em economia de R$ 76 bilhões em dez anos.

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, chegou a pedir a votação de emenda para proibir a criação de alíquotas extraordinárias para os servidores públicos da União quando houver déficit no regime de Previdência, mas desistiu após pressão do governo e a proposta continua a permitir essas taxas adicionais. Um erro na tramitação, que poderia gerar contestações judiciais, deveria ser corrigido por emenda do MDB, para que essas contribuições fiquem restritas à União e não possam ser adotadas por Estados e municípios. Sem a alteração, esse trecho da PEC teria que voltar para a Câmara.

O parecer produz o impacto fiscal de R$ 876,7 bilhões em dez anos com a PEC principal da reforma. Numa negociação para que a PEC não precisasse ser discutida novamente pela Câmara antes de ser promulgada, eventuais alterações serão discutidas numa “PEC paralela”, que estenderá as novas regras para os servidores públicos de Estados e municípios e tributará gradualmente instituições filantrópicas, exportações agrícolas e empresas do regime tributário do Simples. Esse projeto teria impacto de R$ 350 bilhões para Estados e municípios e R$ 92 bilhões para o governo federal, segundo projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Tasso também propôs, na PEC paralela, uma série de “bondades” sugeridas pelos senadores, como a criação de benefício para crianças em situação de pobreza e de contribuição especial para trabalhadores sem carteira assinada. Essas propostas terão que ser votadas ainda pela Câmara, o que muitos ontem avaliavam que não deve ocorrer - os deputados já rejeitaram, por exemplo, a extensão das regras para os Estados. “Não é PEC paralela, é PEC da balela”, ironizou o líder do PDT, Weverton Rocha (MA), que também tripudiou quando um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio (PSL-RJ), foi votar na CCJ. “Lembre que seu pai passou 28 anos votando não [à reforma da Previdência]. Não vá fazer o contrário”, disse. Flávio não respondeu e saiu sem discursar.