Valor Econômico, v. 20, n. 4849, 02/10/2019. Política, p. A6

Disputa por cessão onerosa pode travar 2º turno

Renan Truffi
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro


Próxima de ser aprovada de forma definitiva no Congresso, a reforma da Previdência terá de enfrentar mais um obstáculo antes de entrar em vigor. Pressionados por governadores de Norte e Nordeste, senadores ameaçam obstruir a votação da medida em segundo turno no Senado, prevista para acontecer inicialmente até o dia 10 de outubro. A ofensiva é uma retaliação contra o governo e a Câmara dos Deputados por causa de “dificuldades” enfrentadas nas negociações em torno da divisão do bônus da cessão onerosa, dentro do pacote do pacto federativo.

A insurgência ganhou corpo na manhã de ontem, justamente durante reunião dedicada a discutir a votação da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Para não atrapalhar o primeiro turno da proposta, foi construído um acordo momentâneo, mas o problema deverá voltar à tona nos próximos dias. O motivo é que, na Câmara, parte dos deputados quer destinar a verba da cessão onerosa por meio de emendas impositivas de bancada, e não via fundos de participação de Estados e municípios, como havia sido aprovado. Na prática, isso retiraria autonomia dos governadores para decidir o destino desses recursos.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), admitiu que o movimento é capitaneado por um grupo “representativo”. Segundo ele, agora a votação da reforma da Previdência em segundo turno, na semana que vem, depende de negociações. “O que houve foi uma manifestação de insatisfação com a Câmara, de querer alterar as regras de partilha”, explicou. Os senadores estão sendo influenciados por governadores das duas regiões, que temem ficar sem a verba do bônus.

Diante da pressão, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse ontem que vai procurar o governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para encaminhar a edição de uma medida provisória (MP), ainda nesta semana, que garanta a distribuição dos recursos da forma como estava definido. “Acho que esse vai ser o caminho”, disse.

A afirmação contraria entendimento acertado, na segunda-feira. Até então o acordo era esperar a Câmara apreciar a PEC paralela da cessão onerosa. A MP havia sido anunciada, naquele momento, apenas como uma "alternativa". Questionado se havia abandonado essa ideia, Alcolumbre disse que a Câmara participará do acordo e mostrou intenção de fazer um “gesto” aos Estados. “O presidente Rodrigo me disse que consegue cumprir até o dia 6 [a votação da PEC], mas se a gente conseguir uma MP resolve.”

Apesar disso, Maia mandou um recado ontem ao dizer que não cederá a “ameaças” de governadores e senadores. Ele alegou que parte das críticas feitas aos deputados é motivada por um incômodo com o protagonismo da Câmara. O clima ruim entre as duas casas ficou mais evidente quando o senador Cid Gomes (PDT-CE), que já foi relator da cessão onerosa, aproveitou para atacar o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), a quem chamou de “projeto de Eduardo Cunha” e “achacador”. Em resposta, líderes partidários do Centrão decidiram que vão travar as discussões sobre a repartição dos recursos do leilão.