Título: ''Minha atitude será igual para todos''
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 02/10/2005, País, p. A2

O indefectível som da bandinha da Praça dos Três Poderes invade a sala do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB). Em mangas de camisa azulada e gravata avermelhada, o deputado alagoano, eleito por São Paulo, parece um veterano na cadeira de chefe da Casa Baixa. De forma pausada, fala ao Jornal do Brasil sobre o desafio de reconstruir a imagem da Câmara e reforça a retórica de que não há hipótese de pizza no escândalo do mensalão. ¿ Eu não teria condições de presidir a Câmara se procurasse prejudicar um adversário que está sendo processado ou proteger algum correligionário que viesse a ser processado.

O novo comandante da Câmara, palmeirense convicto, admirador de Símon Bolívar e fã de Dom Quixote, diz que a retomada do diálogo entre os líderes é o caminho para restabelecer uma agenda de votações. Além disso, defende a tese de que não há casuísmo no fato de o Congresso tentar uma alteração constitucional a fim de permitir a votação da reforma eleitoral até 30 de dezembro, o que abriria caminho para regras serem aplicadas na eleição de 2006. Este prazo expirou na sexta-feira, pois pela Constituição a lei que rege a eleição tem de ser aprovada pelo menos um ano antes.

Outro impasse a ser resolvido é o da reforma tributária. Mesmo que a maioria dos líderes dê o projeto como morto, há enorme expectativa entre os prefeitos sobre a alteração no Fundo de Participação dos Municípios. Este item precisaria ser retirado do contexto da mudança do aparato tributário. Aldo, que já sabe de antemão a opinião contrária da equipe econômica, transfere a responsabilidade para o Congresso.

¿ Essa é uma decisão que cabe aos partidos e aos líderes. Eu apenas fiz uma breve resenha do problema ¿ diz.

- O senhor é, confessadamente, fã de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Existem muitos moinhos de vento neste seu novo caminho?

- Acho que há moinhos de vento no caminho da sociedade brasileira. O Brasil é um país com tantas virtudes, tantas qualidades, que se atrapalha, às vezes, com seus moinhos de vento.

- O senhor já mediu o tamanho do desafio, para não dizer da encrenca política, que assumiu?

- Eu sempre tomei os desafios como desafios coletivos. Restabelecer a confiança da população no Parlamento, que é uma instituição básica da democracia, não é um trabalho só do presidente.

- A Câmara está emperrada na discussão das reformas eleitoral e política. Ao optar pela prorrogação do prazo de discussão, o Congresso não está incorrendo em casuísmo?

- Temos duas propostas para prorrogar o prazo de vigência da legislação eleitoral. Uma do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e outra, mais abrangente, do deputado do PFL do Rio Grande do Norte, Ney Lopes. Creio que o Colégio de Líderes, analisando essas propostas, pode concluir quais as que têm uma interferência direta na vida dos partidos e na correlação de forças para 2006. O critério é saber se as mudanças vão melhorar o processo ou se vão constituir casuísmo.

- O financiamento público de campanha acabaria com o caixa dois?

- Não se pode negar que as denúncias e a crise envolvendo os partidos acabam fortalecendo a idéia do financiamento público. Você vai fazer a campanha pelo partido e uma lista vai determinar, dentro do partido, os que vão ser eleitos. De qualquer forma, é preciso que essa decisão seja acompanhada de um fortalecimento das legendas, para que a escolha dos candidatos nas respectivas listas corresponda à vontade dos filiados.

- Existe uma pressão dos prefeitos para se votar o Fundo de Participação dos Municípios. O senhor já dialogou com a equipe econômica sobre o desmembramento deste item da reforma tributária?

- Não há restrição da equipe econômica à votação da ampliação do percentual do Fundo de Participação dos Municípios. O que há é uma opinião segundo a qual essa medida deveria ser acompanhada de outras que formam um conjunto da reforma tributária, como, por exemplo, o fim da guerra fiscal.

- O acordo com os governadores está perto?

- Não há grandes problemas sobre a questão tributária com os governadores. Os governadores têm as reivindicações, mas não é no âmbito da chamada guerra fiscal. Nesse aspecto, as opiniões se aproximaram muito. Todos chegaram à conclusão que a guerra fiscal prejudica a todos e não beneficia ninguém.

- Com relação à unificação do ICMS, já há um avanço?

- Sim. A chave da questão era São Paulo compensar certas perdas, como a modificação do mecanismo de cobrança do ICMS com o fim da guerra fiscal. E o Nordeste e outros estados compensarem perdas com o fim da guerra fiscal e com os fundos de desenvolvimento regionais. Há uma polêmica também sobre a partilha deste Fundo. Os estados querem mais recursos para gestão própria e outros querem o fundo para os órgãos de fomento - tipo Sudene, Sudam.

- Alguns líderes da oposição começaram a questionar, por conta de sua proximidade com o governo, se o senhor seria isento para conduzir as investigações de corrupção. Temem um acordo para que tudo termine em pizza.

- Eu, como presidente da Câmara, não tenho como ficar comentando as declarações de líderes do governo e de líderes da oposição. O que sei é que quando essa Casa foi presidida, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo presidente Luiz Eduardo Magalhães, do PFL, pelo presidente Aécio Neves, do PSDB, pelo presidente Michel Temer, do PMDB, nunca subi à tribuna, nunca procurei um jornalista, para levantar suspeição sobre a gestão desses companheiros, por serem eles amigos pessoais do presidente, correligionários do presidente, ou da base do governo do presidente. Eu demonstrei a minha independência nos 16 anos de mandato que estou aqui, respeitando o governo e a oposição.

- Há um sentimento de que não é possível colocar os erros embaixo do tapete. O senhor concorda?

- Os processos estão sob responsabilidade de órgãos autônomos da Casa - a Corregedoria e o Conselho de Ética -, cada um deles cumprindo a sua função, amparados na Constituição, na legislação do país, no regimento interno. Esses órgãos encaminham as suas decisões e elas vão para o plenário da Câmara. O presidente sequer vota nesses processos. Devemos ter confiança na isenção desses órgãos e esperar, sem pré-julgamento e sem procrastinação que eles cumpram a sua tramitação normal com isenção, equilíbrio, rigor e espírito de justiça.

- Mas o presidente pode influenciar politicamente. O senhor garante que não influenciará politicamente no andamento dos processos que foram abertos?

- Eu não teria condições de presidir a Câmara se procurasse prejudicar um adversário que está sendo processado ou proteger algum correligionário que viesse a ser processado. A minha atitude tem que ser igual para todos os deputados, sejam eles do governo ou sejam eles da oposição.

- A eleição mostrou a Câmara disputada palmo a palmo - uma luta política forte entre a oposição e a base governista. Uma diferença de 15 votos lhe deu a vitória. Vai ser muito difícil retomar a maioria governista na Casa?

- O governo tem as suas responsabilidades e a oposição tem o seu papel. Mas ambos têm responsabilidades comuns para com os interesses da população e para com os interesses do Brasil. E é a busca desse denominador comum o maior desafio de quem preside o Poder Legislativo.

- Como o senhor se sente sendo ponta-de-lança da primeira grande vitória do governo em 2005?

- O que posso dizer é que fui eleito pela maioria dos deputados. Sou presidente de todos os deputados. Não posso analisar que repercussão a minha eleição possa ter nas outras instituições. Cabe a cada um analisar o que isso representa.

- Mas o governo vinha de sucessivas derrotas e sua eleição chegou a levar às lágrimas o ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner. Como é essa situação de ser o protagonista da primeira vitória política do governo em 2005?

- As vitórias são comemoradas por todos os vencedores. Nunca vi um vencedor lamentar a vitória e nunca vi quem sofre uma derrota comemorar a derrota. Acho que é uma coisa natural da vida, um sentimento humano.

- O senhor passou mais de um ano no Ministério da Coordenação Política sofrendo críticas de setores do PT que queriam o seu cargo. O fato de ter sido agora o candidato com o apoio do PT dá à vitória um gostinho especial?

- Não. Não encontro espaço no meu sentimento para coisas dessa natureza. Eu respeitava as minhas diferenças com o PT, achava que era natural que o PT tivesse aspiração pela Coordenação Política. Fomos aliados durante muito tempo e acho que isso explica o apoio que recebi para disputar a presidência da Câmara.

- Líderes do PFL e do PSDB têm absoluta certeza na vitória na disputa presidencial do ano que vem e não pretendem dar folga, nem ao senhor, nem ao presidente Lula.

- A sociedade percebe quando as facções, os partidos e as correntes que disputam o poder exageram nos seus métodos e cometem atos que fogem aos limites do que a sociedade espera. Se o governo exagerar, a sociedade vai perceber e vai cobrar um preço por isso. Se a oposição exagerar, acho que a mesma coisa vai acontecer. Apostar na crise, seja lá quem faça essa aposta, não é um fator agregador.

- O senhor, palmeirense, é um dos mais leais auxiliares do presidente Lula, corintiano. Esse exemplo de coabitação pacífica deveria ser seguida por governo e oposição?

- Acho a lealdade um valor fundamental. Quem é desleal nas relações pessoais, profissionais e políticas não deve merecer funções de responsabilidade. Fui leal ao presidente da República quando fui seu líder, quando fui ministro, e essa era uma função de confiança do presidente da República. Agora, eu respondo por uma função de confiança do Poder Legislativo e devo minha lealdade, portanto, a esta função, a esta responsabilidade e àqueles que me confiaram esta tarefa.

- E quanto à rivalidade entre Palmeiras e Corinthians?

- É uma das minhas grandes divergências com o presidente Lula. Eu fui palmeirense antes de casar, antes de escolher o meu partido, antes de ter minha profissão. Portanto, é a mais antiga lealdade que guardo na minha trajetória de vida.