Valor Econômico, v. 20, n. 4820 22/08/2019. Brasil, p. A2


Bolsonaro insinua relação entre ONGs e queimadas

 Renan Truffi
 Fabio Murakawa



O presidente Jair Bolsonaro insinuou ontem que ONGs que atuam em defesa do ambiente e supostamente recebiam recursos do exterior podem ter ligação com aumento de queimadas na Amazônia, registradas nos últimos dias. Ele ressaltou que não está "afirmando" que há relação, mas descreveu um roteiro em que os fatos coincidiriam com o fim da "boquinha" para essas instituições, que teriam deixado de receber recursos do Fundo Amazônia por decisão de países como a Noruega e a Alemanha. 
"O crime existe, e isso aí nós temos que fazer o possível para que nesse crime não aumente, mas nós tiramos dinheiros de ONGs. Dos repasses de fora, 40% ia para ONGs. Não tem mais. Acabamos também com o repasse de dinheiro público. De forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro. Então, pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos", disse.

Questionado se tinha certeza sobre a participação de alguma ONG nas queimadas, Bolsonaro disse que não está "afirmando", mas que "há interesses". "Não estou afirmando (que são as ONGs). Temos que combater o crime, depois vamos ver quem é o possível responsável pelo crime. Mas, no meu entender, há interesse dessas ONGs, que representam interesses de fora do Brasil", respondeu.

Como argumento, Bolsonaro disse que os focos de queimadas aconteceram em "lugares estratégicos" e que havia pessoas preparadas para "filmar" os incêndios na floresta. "Parece que o fogo foi tocado, me parece, em lugares estratégicos. [Há] imagens na Amazônia toda, como é que pode? Nem vocês [imprensa] teriam condições de colocar fogo e filmar e mandar para fora. Ao que tudo indica, [o pessoal] foi para lá filmar e tocaram fogo. É esse o meu sentimento, temos que combater o crime e depois buscar os criminosos", disse.

Questionado sobre reportagens de jornais da região amazônica que apontam para a possibilidade de produtores estarem envolvidos nas queimadas por se sentirem amparados por suas palavras, Bolsonaro foi evasivo. "Nenhum jornal local me procurou para conversar", disse.

Em seguida, ele tentou culpar governadores do Norte e insinuou conivência com os crimes. "Olha só, tem governador, não quero citar nome, que está conivente com o que está acontecendo e bota a culpa no governo federal. Tem Estados aí, que não quero citar, na região Norte, que o governador não está movendo uma palha para ajudar a combater incêndio. [Tem governador que] está gostando disso daí. Não quero criticar porque vem um contragolpe, mas é uma realidade", disse.

Por fim, Bolsonaro disse que o governo não está "insensível" às queimadas e que deve enviar as Forças Armadas para a região. "É a pior onda [de queimadas]. É um crime. O governo não está insensível para isso, mas temos uma guerra acontecendo no mundo contra o Brasil. Uma guerra de informação. As Forças Armadas, devemos usar, talvez a partir de amanhã, unidades ali da região, porque não tem como deslocar daqui para lá", disse.

Durante o Congresso Aço Brasil, em Brasília, Bolsonaro ainda voltou a sinalizar que é contra a participação do Brasil no acordo de Paris. E, mostrando contrariedade, disse que não tem "todo o poder que alguns imaginam". "Se o acordo do clima [de Paris] fosse bom, americano não teria saído. Nós por enquanto estamos lá", afirmou.

Bolsonaro aproveitou para criticar mais uma vez as demarcações de terras indígenas. Segundo ele, o verdadeiro motivo de governos anteriores terem de delimitado esses territórios é, no futuro, permitir que outros países possam explorar os recursos naturais brasileiros. "O que eu sei é que as demarcações, em grande parte, não são para proteger o índio, são para deixar intacto (o território) para que, no futuro, outros países venham nos explorar. O índio tem como fazer lobby? Ele fala a nossa língua? Não fala", disse.

Bolsonaro voltou a minimizar modelos de cooperação entre países, cujo objetivo seja preservar o meio ambiente. Na opinião do presidente, não existe amizade entre duas nações, mas, sim, interesses.