Valor Econômico, v. 20, n. 4820 22/08/2019. Brasil, p. A4

'Nova CPMF' elevaria carga da agropecuária e da indústria

Marta Watanabe


A criação de uma Contribuição sobre Pagamentos (CP) em substituição total à atual contribuição previdenciária patronal sobre folha deve elevar a carga tributária para a agropecuária, indústria extrativa e de transformação e também para o setor de eletricidade, gás, água e esgoto. Já atividades como construção, comércio e transporte e armazenagem devem ter redução. Para garantir neutralidade do ponto de vista da arrecadação, a alíquota média global da CP deve ser de 2,8%, sendo 1,4% no débito e 1,4% no crédito.

Os cálculos são dos economistas José Roberto Afonso, Kleber Pacheco de Castro, Bernardo Motta Monteiro e Thiago Felipe Ramos Abreu, no artigo "Reforma tributária: quando o velho se traveste de novo". Como a alíquota para a CP teria que ser única, explica Castro, alguns setores que hoje alcançariam a neutralidade com alíquota menor que 2,8% devem ter elevação de carga.

No setor agropecuário, por exemplo, a neutralidade, segundo os cálculos dos economistas, seria alcançada com uma alíquota de CP bem menor. A criação do tributo a 2,8%, portanto, traria aumento de 95,6% de carga tributária ao setor em relação à atual contribuição previdenciária. Na indústria extrativa, a elevação seria de 29,9% e na de transformação, 70,2%. Para outros segmentos o efeito seria inverso. No comércio, haveria redução de carga tributária de 38,3%. Na construção, de 13,3%. No transporte e armazenagem, a carga cairia 19,6%.

O resultado, dizem os economistas, é consistente com a ideia de que, quanto mais os salários pesarem na movimentação financeira de uma atividade, mais ela ganhará com a troca de base - da folha salarial para a movimentação financeira.

Para simular a base de incidência da CP, explica Castro, foram somados o valor de produção, consumo intermediário e salários das empresas financeiras e não financeiras de cada setor. Os dados foram retirados da Tabela de Recursos e Uso (TRU) das Contas Nacionais de 2016, a mais recente. Essa, explica o economista, seria a "proxy" da movimentação financeira. Sobre essa base foi calculado o peso das contribuições sociais recolhidas e informadas também nas Contas Nacionais.

Os economistas destacam que a instituição de uma tributação sobre pagamentos traria aumento de tributos para a indústria, que já tem alta carga tributária quando se leva em consideração a contribuição relativa de cada setor.

A criação da CP como um dos pilares que deve mconstar da proposta de reforma tributária do governo federal voltou a ser defendida na tarde de ontem pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, em debate sobre reforma tributária realizado em São Paulo. Durante a manhã de ontem, o presidente Jair Bolsonaro rejeitou novamente a possibilidade de seu governo patrocinar a volta de um imposto sobre movimentação financeira. "Quem entrar nessa de imposto sobre cheque está pedindo para ser derrotado por antecedência. Entra em campo perdendo por três a zero", afirmou o presidente, ao deixar o Palácio da Alvorada.

Cintra defende a eliminação da atual contribuição previdenciária sobre folha, mas disse ontem que a implantação da CP pode ser feita gradualmente, com alíquotas mais baixas. "Todo remédio é amargo, vamos tomar uma colherinha pequena", diz. Segundo ele, isso permitirá verificar "o que está passando na economia e a partir daí ir calibrando e implementando".

Na terça à noite, em palestra no evento "Valor 1000", promovido pelo Valor, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou intenção da equipe econômica de criar uma contribuição sobre movimentação financeira. "Pequenininho, [o tributo] não machuca", declarou. "Eu preferia não ter de recorrer a isso, mas eu acho oneração de folha de pagamento um crime contra os brasileiros", disse.

Segundo integrantes da equipe econômica do governo federal, começam a ganhar destaque opções de desoneração parcial da folha, o que implicaria uma alíquota menor da CP, entre 0,2% e 0,3%. Estudos anteriores apontavam para alíquotas entre 0,5% e 0,6%. A CPMF, que vigorou de 1993 a 2007, teve alíquota máxima de 0,38%.

Segundo Cintra, a nova CP terá várias diferenças em relação à antiga CPMF. A CP, diz ele, substituirá uma tributação nociva - a atual contribuição previdenciária sobre folha - e tornará o sistema mais justo. A CPMF, ao contrário, diz o secretário, trouxe aumento de carga tributária porque não veio em substituição a outra cobrança.

Outra diferença, argumenta Cintra, é de que a CP não deve incidir sobre transações no mercado de capitais. Também não houve precauções, em relação à CMPF, compara o secretário, contra eventual desintermediação que alegadamente pode acontecer com a CP. "Estamos propondo que toda e qualquer saque de numerário seja tributado com alíquota mais elevada para desestimular a remonetização da economia".

O governo federal ainda não apresentou formalmente a proposta de reforma tributária que, segundo Cintra, devem incluir também mudanças no Imposto de Renda e a criação do IVA federal como resultado da junção de tributos da União, como PIS e Cofins. Para o secretário, a desoneração da folha é importante para ter apoio à reforma de alguns setores, como o de serviços, o que tornaria viável a aprovação do IVA federal.

Em nota técnica, o Sescon/SP, que reúne empresas de serviços contábeis, diz que a adoção do IVA em âmbito nacional proposto na PEC 45, em tramitação na Câmara dos Deputados, elevaria em 8,7 pontos percentuais a carga atual do setor. Segundo a nota, para o setor de serviços, a reforma não seria viável sem o debate da desoneração de folha.