Valor Econômico, v. 20, n. 4820 22/08/2019. Opinião, p. A19


PIB e preços das commodities
 Ricardo Barboza
 Daniela Campello


Muito se discute sobre o crescimento do PIB do Brasil, mas pouco se fala sobre um de seus principais determinantes: o preço internacional das commodities. Essa lacuna nos causa perplexidade.

Para começar, convidamos o leitor a analisar o gráfico abaixo. A correlação entre crescimento do índice CRB de preços de commodities e do PIB brasileiro é enorme: 75%!

Correlação não é sinônimo de causalidade, mas como o Brasil é uma pequena economia aberta e os preços das commodities são determinados globalmente, não seria absurdo suspeitar que exista uma relação causal entre as duas variáveis.

Para verificar, estimamos alguns modelos econométricos. As funções de resposta ao impulso indicam efeitos positivos e significativos dos preços das commodities sobre o PIB. Estes efeitos se mantêm mesmo controlando para outras variáveis internacionais (como o PIB global).

Trabalhos acadêmicos recentes chegam a resultados semelhantes e reconhecem a importância dos preços das commodities para países emergentes exportadores desses produtos: cerca de 25% das flutuações cíclicas podem ser explicadas por aquela variável.

Como é possível tamanha influência? Quais seriam os mecanismos que explicam essa relação? Aqui entramos em terreno mais especulativo.

Intuitivamente, muitos imaginam que a influência das commodities vem da balança comercial. Nesse sentido, como o Brasil exporta uma parcela pequena do PIB, a influência das commodities seria limitada. Mas os mecanismos de transmissão parecem ir muito além das exportações.

Tudo o mais constante, aumentos nos preços de commodities: 1- atraem fluxos de capital para o Brasil, o que amplia a liquidez e o crédito; 2- aumentam o preço das ações e o investimento das firmas listadas; 3- apreciam o câmbio, o que alivia o balanço das empresas endividadas em dólar e barateia os bens de capital importados, com efeitos positivos no investimento.

A política fiscal também é afetada pelos preços das commodities. As metas de superávit primário (pró-cíclicas) tornam os gastos do governo sensíveis ao que ocorre no lado da arrecadação. Isso aumenta a demanda doméstica nas fases de boom e reduz nas fases de baixa.

Em algumas situações, aumentos nos preços de commodities podem ter efeito desinflacionário. A apreciação cambial decorrente alivia o impacto altista nas commodities em reais, bem como barateia todos os demais bens comercializáveis. O efeito (líquido) desinflacionário, por sua vez, permite uma política monetária mais frouxa, com impactos positivos na atividade.

Eleitores respondem aos efeitos de ciclos de preços de commodities sobre a economia, ainda que não saibam disso

Com tantos mecanismos, não surpreende que as evidências mostrem uma resposta do investimento e do consumo mais forte do que das exportações frente a choques nos preços das commodities. Como resultado, o PIB é intensamente afetado e as consequências políticas são enormes.

Um modelo que se propõe a medir o impacto de fatores exógenos (como preços de commodities e taxa de juros americana) na popularidade de presidentes brasileiros revela que o aumento de um desvio padrão no índice que combina os dois fatores aumenta a popularidade presidencial em até 15 pontos percentuais. Resultados semelhantes podem ser observados em outros países exportadores de commodities, como Uruguai, Argentina, Colômbia e Chile.

O impacto da variação desses preços também afeta resultados eleitorais. Examinando as eleições na América Latina desde 1980, estimamos que num cenário de altos preços de commodities e baixa taxa de juros, a probabilidade de que um presidente se reeleja, ou eleja o seu sucessor, é cerca de 35% mais alta do que em um cenário externo desfavorável.

Presidentes que governam em períodos de altos preços de commodities também têm probabilidade muito mais alta de terminarem seus mandatos. Essa conclusão é baseada na observação de como terminaram 162 presidências na América do Sul entre 1960 e 2018. Em cenário desfavorável, mesmo governos autoritários têm dificuldade de se sustentarem no poder.

Isso tudo sugere que eleitores respondem aos efeitos de ciclos de preços de commodities sobre a economia, ainda que não saibam disso. Em períodos de alta, presidentes são mais populares, têm maiores probabilidades de serem reeleitos ou de elegerem seu sucessor e transições regulares de poder são mais comuns. Períodos de queda de preços, por sua vez, estão frequentemente associados a governos impopulares, com poucas chances de reeleição e mais sujeitos a golpes, impeachments e outras transições irregulares.

Do ponto de vista político, estas evidências apontam para a dificuldade de eleitores de distinguir sorte - boa ou má, representada por choques externos - de mérito ao selecionar seus governantes. Esse comportamento se observa em eleitores de todo o mundo, mas na América Latina, o problema é que o fator "sorte" é extremamente relevante para a economia.

Sendo assim, governantes são frequentemente premiados com alta popularidade e sucesso eleitoral não necessariamente por adotarem boas políticas, mas por estarem "no lugar certo, na hora certa". Da mesma forma, bons governantes são punidos pela razão oposta. Os incentivos negativos que isto acarreta são inúmeros e merecem ampla discussão.

Uma possibilidade (dentre muitas) de minimizar os efeitos de ciclos externos sobre a economia e, por conseguinte, sobre a política, diz respeito à adoção de balanços estruturais multianuais e de regras de políticas fiscais anticíclicas, como praticado no Chile há anos. A evidência sugere que depois da adoção destas regras, a relação entre commodities e sucesso político desaparece.

Além de maior estabilidade econômica, tais políticas permitiriam uma maior comparabilidade entre o desempenho de governos. Em última instância, elas poderiam fazer com que um voto baseado no desempenho econômico efetivamente premiasse a competência, e não sorte dos governantes. Dadas as vantagens, o que estamos esperando para começar este debate?