Título: Banco também ganha com juro baixo
Autor: Marcelo Kischinhevsky e Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 02/10/2005, Economia & Negócios, p. A19

Presidente do maior banco de varejo privado do país, com valor de mercado de R$ 39,5 bilhões, Márcio Cypriano demonstra incômodo com as altas taxas praticadas no país. O Bradesco registrou no primeiro semestre lucro de R$ 2,621 bilhões, 109% superior ao de igual período do ano passado. Mas o executivo sustenta que o resultado recorde se deve à expansão da carteira de crédito, e não aos juros elevados. ¿ Para os bancos, é importante ter uma taxa de juros mais factível, com a qual as pessoas conseguem consumir mais crédito ¿ afirma Cypriano, que também preside a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Para ele, a cunha fiscal e o elevado compulsório impedem o corte das taxas praticadas ao consumidor. Admite, porém, que os bancos saem ganhando de toda forma: seja num cenário de juros altos, seja num ambiente de crédito barato. Cypriano critica ainda o dólar, que, em sua avaliação, "está fora do ponto". Mas o câmbio não afeta os planos no exterior. O Bradesco está negociando acordos com os bancos Espírito Santo, de Portugal, e Bilbao Vizcaya, da Espanha, para entrar pesado no mercado de remessas de brasileiros que vivem no exterior. A experiência já foi adotada com sucesso no Japão, por meio de parceria com o UJF. Só os dekasséguis enviam para o Brasil anualmente cerca de US$ 1,5 bilhão.

A seguir, a íntegra da entrevista ao Jornal do Brasil.

¿ Nos Estados Unidos, quando os juros sobem, as ações dos bancos caem. Isso porque eles vivem de crédito, enquanto aqui ganham nas taxas. O mercado brasileiro ficou viciado nos juros altos?

¿ Aqui, nós revertemos tendências. As duas situações são boas para os bancos. Quando o juro sobe, é claro que os bancos se beneficiam porque temos uma captação muito grande. Desde a época da inflação, os bancos ficaram preparados para captar. Quanto mais se capta, mas apto se está para emprestar. Agora, quando o juro cai, é mais importante ainda para os bancos, porque aí é que realmente é possível aumentar as operações de crédito e tem-se uma liquidez melhor. E o grande potencial de receita dos bancos, além de tarifas, são as operações de crédito. No primeiro semestre, tivemos um retorno importante em função das operações do crédito consignado, do crédito para pessoa física, nos acordos operacionais feitos. Ou seja, o crédito também é bom. Além disso, fomentando a economia, que é a função primordial dos bancos, é possível colocar produtos e obter a fidelização do cliente. Para os bancos, é importante ter uma taxa de juros mais factível, com a qual as pessoas conseguem consumir mais crédito. A relação crédito/PIB é muito pequena. Se olhar outros países, é ainda mais difícil.

¿ A redução do spread é questão sempre debatida no mercado, inclusive envolvendo o Banco Central e a Febraban, e os bancos sempre defenderam a realização de reformas. Algumas foram realizadas, como a Lei de Falências, mas o spread continua alto.

¿ A Lei de Falências ainda não tem efeito. Ela entrou em vigor em junho, prazo ainda muito pequeno para que se observe algum efeito. Ainda existe o problema do judiciário, que está fazendo treinamento para que a nova legislação seja a mais disseminada possível. Afinal, as pessoas têm que entender a Lei de Falências. Assim, haveria condições de reduzir a taxa de juros, porque se terá uma série de definições. Com segurança jurídica, é possível reduzir os spreads.

¿ Qual o horizonte de tempo para que o impacto da Lei de Falências chegue ao mercado?

¿ É um processo de aprendizado e aplicação da lei. Há deputados fazendo palestras com integrantes do mercado financeiro e do judiciário para disseminar o máximo possível a informação. É um bom princípio. Mas o grande problema dos spreads são mesmo as cunhas fiscais, que são altamente penalizantes. Se somarmos IOF, CPMF, PIS, Cofins, IR e compulsório (45% dos depósitos à vista) chega-se a 29,5% do custo do spread bancário.

¿ A redução do compulsório reduziria as taxas rapidamente?

¿ O compulsório retira dinheiro de circulação. Há espaço para reduzir o compulsório. Mas talvez o governo não libere por causa do meio circulante. Se reduzisse em 10 pontos o compulsório, para 35%, os bancos poderiam cortar imediatamente a taxa de juros. Veja bem, as pessoas dizem que "a Selic caiu e vocês não reduziram a taxa de juros", mas não dá para baixar. Uma redução de 0,25 ponto percentual ao ano é 0,02 ao mês, é muito pequeno. Mas o compulsório, não. Esse tem efeito imediato e é excelente.

¿ Ao mesmo tempo em que o BC mantém a corda apertada nos juros, o governo liberou outras vias de liquidez, como o crédito consignado. Não é uma contradição da política monetária?

¿ O crédito consignado não tem um volume grande e tirou as pessoas de um crédito mais caro, o que foi muito importante. Ele tirou as pessoas das mãos do agiota, dos juros do cartão de crédito, do cheque especial, que são financiamentos muito mais caros. Portanto, acho para o governo foi muito importante e beneficiou a queda da taxa de juros. Isso não altera a economia.

¿ Recentemente, o Jornal do Brasil publicou matéria em que mostra que uma parcela dos clientes usa o crédito consignado para o consumo, até de alimentos e remédios. Há risco de endividamento excessivo no médio prazo?

¿ Pelas pesquisas que se tem, sabe-se que um terço das receitas dos aposentados é gasto com medicamentos. Além disso, existe uma limitação de uso do empréstimo, de 30% do valor do benefício, para que não haja um endividamento excessivo.

¿ Embora mais baixa que a média de mercado, a taxa de juros do crédito consignado é alta para padrões civilizados de crédito.

¿ Mas com uma taxa Selic de 19,5% ao ano? Pois, é isso que pagamos. Esses 1,75% ao mês (taxa praticada no consignado) dão 23,15% ao ano. Ou seja, um spread bruto de 3% ao ano, fora o custo operacional, de manutenção, do contrato e das pessoas que vão atender os aposentados.

¿ O consignado é um dos novos focos de negócios do Bradesco, então?

¿ Não, pois não temos muito expertise nessas operações, feitas mais comumente por bancos médios e pequenos. Há apenas quatro meses conseguimos a autorização para operar junto ao INSS e estamos criando uma operação grande com nossos concessionários que já trabalham com títulos de previdência. Essa equipe é que fará a colocação dos produtos consignados. É um negócio novo e como tal a gente vai engatinhando até conseguir posições boas.

¿ No futuro, o Bradesco pretende atuar sozinho neste mercado?

¿ Dá para fazer as duas coisas, dar funding aos bancos médios, como ter uma equipe própria para competir. A parceria foi importante para fornecer funding para os bancos menores, principalmente depois da quebra do Banco Santos, quando eles passaram a ter dificuldade de captação.

¿ Existe queixa de alguns bancos e, isso até é motivo de investigações nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que investigam a existência de mensalão, de que o BMG teria saído na frente dos demais na autorização para operar o crédito consignado. O senhor acredita que houve favorecimento de algumas instituições de pequeno porte? Por que os grandes bancos demoraram a obter a autorização?

¿ É porque nós não tínhamos a experiência de fazer a operação e além disso, nós tínhamos o vinculado (crédito com desconto automático na conta corrente), que é quase a mesma operação. Quando foi lançado o consignado, tinha uma certa tarifa exigida pela Dataprev. De certa forma, os bancos pensaram "bem, faço o vinculado, então vou continuar fazendo o vinculado". E só depois migraram para o consignado.

¿ Mas o Bradesco não chegou a pedir a autorização para operar o consignado junto com BMG e outros bancos?

¿ Não sei quando eles pediram, mas nós com certeza pedimos depois.

¿ Não interessa ao Bradesco ampliar o aporte que destina ao microcrédito produtivo orientado?

O Bradesco foi o único banco que conseguiu operar todo o recurso exigido ¿ 2% do compulsório ¿, foram R$ 278 milhões em dezembro de 2004. Grande parte desse volume foi colocado no Banco Postal, que é o acordo que temos com os Correios, com o qual é possível estar presente nos 5,3 mil municípios do Brasil. O Bradesco ¿ vou repetir a propaganda ¿ é um banco completo. Nós estamos em todos os segmentos de mercado. Hoje operamos no setor corporate, para atender às grandes empresas, com um spread de 1,5% ao ano e risco zero; o Bradesco Empresas, de R$ 15 milhões a 180 milhões de faturamento por ano; o Prime, que com 180 agências no Brasil atende a pessoas físicas de alta renda; o Bradesco Private, para atender a clientes com aplicações superiores a R$ 1 milhão; temos o varejo, com nossas agências, e o alto varejo, que é o Banco Postal. Este último é um segmento que vem trazendo a população que não tinha acesso a banco para o sistema.

¿ É um bom negócio?

¿ Até pelo aspecto social é interessante. No Banco Postal, por exemplo, o grande ponto é que se atende a uma população de 18 milhões de pessoas, que não tinha nenhum tipo de acesso a banco. Essa modalidade proporcionou inclusive que se melhorasse a microeconomia regional, pois a pessoa recebe o dinheiro e gasta por ali mesmo. Então, começa-se a girar a economia desses municípios. E, olha, é um número muito grande de pessoas que não são bancarizadas. Nós já temos 4 milhões de contas correntes abertas no Banco Postal, desde a licitação em 2001.

¿ É um nicho de mercado, que também vem sendo explorado pelos bancos públicos no governo Lula.

¿ Olha, o Banco Popular não vingou. Eles abriram o quê? 30, 40 agências, com toda a estrutura do Banco do Brasil... Essa nossa operação é de vulto. Abrimos, em dois anos, 5,3 mil pontos. Ele funciona para atender às necessidades básicas da pessoa. O cliente pode ter uma poupança, ter um cartão de crédito, aplicar no CDB, enfim, todo tipo de operação básica bancária ele pode fazer. É diferente do correspondente bancário, que é mais simples. Nessa modalidade, temos 3,5 mil pontos no país. A pessoa vai numa loja, Casas Bahias, por exemplo, paga ou recebe suas contas. O serviço é mais para desafogar as filas nas agências. Hoje, por exemplo, investimos em tecnologia e infra-estrutura R$ 1,5 bilhão por ano. Para se ter uma idéia, recentemente, em um final de semana, tivemos recorde de acesso a máquinas. Foram 9 milhões de transações em um único dia. Em um fim de semana depois do dia 10. O volume de recursos também atingiu recorde, de R$ 500 bilhões por mês. Há uma quantidade de transações crescente e uma massa de correntistas que obrigam o banco a investir.

¿ Esse investimento se explicaria também em função da expectativa de aumento de competição no varejo brasileiro? O Citibank está dizendo que finalmente vai entrar para valer no mercado, talvez até com aquisições, e a GE Capital vem abrindo financeiras por todo o país.

¿ Com a concorrência, devemos nos preocupar constantemente. O conselho projeta um crescimento para o ano e nós estimamos em que se vai investir, quais passos serão dados, como lançar produtos novos. Um exemplo disso é o consórcio (de casas, veículos). A consultoria que nos assessorou imaginou que demoraríamos cinco anos para atingir o ponto de equilíbrio. Em oito meses já tínhamos a liderança do mercado de imóveis e, em um ano e meio, conquistamos a primeira posição do mercado de veículos, concorrendo com todas as montadoras. Lançamos um título de capitalização em conjunto com a Fundação Ayrton Senna e, em dois meses, foram 400 mil títulos vendidos.

¿ A reestruturação do setor bancário brasileiro já foi concluída?

¿ Acho que já. O mercado brasileiro está muito bem dividido ¿ 50% nas mãos dos bancos federais, 30% dos nacionais privados e 20% dos estrangeiros. Tem algum movimento dos bancos estaduais, que devem ser privatizados. O resto será pontual.

¿ E a posição do Bradesco lá fora?

¿ A atuação do Bradesco se limita à atuação para atender a clientes exportadores e private também. Temos uma filial em Nova York, Bahamas, Luxemburgo, Argentina e Tóquio, em associação com o banco UFJ. Hoje, estamos em 500 agências no país, onde os dekasséguis podem usar máquinas em português. O objetivo é trazer os recursos dos dekasséguis para o Brasil. O volume movimentado é muito grande, de cerca de US$ 12 bilhões por ano, dos quais US$ 1,5 bilhão são remetidos para cá. No Brasil, eles procuram fazer poupança, consórcio, fazer financiamento da casa própria.

¿ Existe plano de levar o mesmo modelo para os EUA, onde reside a maioria dos emigrantes brasileiros?

¿ Ainda não. Nesse tipo de operação, estamos estudando com um acordo com o Banco Espírito Santo, para os brasileiros que moram em Portugal, e com o Bilbao Vizcaya ¿ que tem participação no Bradesco ¿, na Espanha, para mandar recursos dos brasileiros que moram na Europa.

¿ O senhor imagina que o Bradesco possa se tornar uma multinacional brasileira do setor bancário?

¿ Varejo lá fora, nós não faremos, porque o mercado é muito complicado. A mesma dificuldade que os estrangeiros têm aqui, nós teríamos lá ¿ concorrência forte e conhecimento de mercado. Vários bancos estrangeiros atuantes vieram para cá e não conseguiram nada, como o próprio Bilbao Vizcaya, o Sudameris, a Caixa Geral de Depósitos.

¿ E os que ficaram têm experimentado dificuldades.

¿ A questão é que o sistema financeiro brasileiro é muito bem arrumado. A inflação é que fez a gente ser eficiente. Assim, os bancos tinham que ter agilidade de tirar um recurso de Manaus e colocar na conta do cliente no Rio Grande do Sul imediatamente. O sistema estava preparado para captar recursos, não para emprestar. Quando acabou a inflação, os bancos tiveram que começar a emprestar dinheiro, foi um desastre. Os bancos, os gerentes não estavam preparados. Foi uma deficiência grande. A partir daí, foram se aprimorando, treinando seus funcionários e gerentes. Quando os estrangeiros vieram para o Brasil, tínhamos uma certa relutância porque se imaginava que haveria uma concorrência muito forte. Talvez eles pudessem competir se trouxessem funding barato. Mas quando chegaram aqui, viram os custos do Brasil, como ações indenizatórias, impostos, ações judiciais. Todos esses custos os tornaram pouco competitivos.

¿ Os bancos compensaram o fim do período de inflação alta com aumento de tarifas.

¿ Foi a compensação. A tarifa sempre foi paga e ninguém percebia. Porque o dinheiro que era deixado em conta corrente com aquela inflação maluca, o banco aplicava e tinha uma remuneração sobre o serviço prestado. Era embutida essa tarifa. Quando não havia mais inflação, os bancos começaram a cobrar tarifa pelo serviço.

¿ Daí o motivo para a tarifas terem subido cinco vezes mais que a inflação no período?

¿ Não são todas. Há tarifas que devem ser ajustadas com o tempo. Há algumas que parecem ser caras, mas é porque são poucas as operações e o aumento do preço parece ter o alcance um pouco superior à inflação. No Brasil, se emite cheque de R$ 3, o custo é maior do que o valor da própria folha. Na verdade, as tarifas cobrem só dois terços das despesas básicas das instituições.

¿ Tarifas foram criadas para manutenção de conta e muitos clientes de baixa renda têm que arcar com esses custos. O governo estuda até a adoção da livre escolha do banco em que o trabalhador receberá seu salário.

¿ Eu concordo, desde que os bancos públicos também topem disputar mercado com a gente no pagamento do funcionalismo. Sobre as tarifas, o investimento que foi feito para o banco na internet, por exemplo, foi alto.

¿ Os bancos brasileiros já foram acusados até pelo Fundo Monetário Internacional de atuarem como cartel...

¿ Mas 50% do mercado são dos bancos federais! É que os custos de operação são semelhantes. Com isso, a diferença de preço dos produtos é muito pequena.

¿ Como aumentar a competitividade do setor?

¿ Mais? O setor já é muito competitivo. Não sei como vêem isso, se alguns projetos que poderiam reduzir custos para todos, como o compartilhamento de ATMs, não andaram.

¿ Com a taxa de câmbio tão baixa, o Bradesco fará novas emissões lá fora ainda este ano?

¿ Provavelmente. Acabamos de fazer uma de US$ 100 milhões e, se tivermos uma taxa competitiva, vamos ao mercado.

¿ Qual a sua avaliação sobre o comportamento da taxa de juros este ano?

¿ Eu imagino que caia 1,5 ponto percentual, para 18% ao ano, até dezembro. Mas não deve afetar o fluxo positivo de dólar, porque a liquidez segue lá fora.

¿ O senhor imagina algum evento que possa interromper essa liquidez, como um possível aprofundamento da crise política?

¿ Acho que não. Pela primeira vez, a crise política está separada da econômica. O Palocci foi elogiado pelo John Snow (secretário do Tesouro dos EUA). O conceito do Brasil lá fora está inacreditável. Empresas nacionais lançaram bônus perpétuos. Isso é inacreditável. Nós íamos lançar US$ 100 milhões para começar, foi mais de US$ 300 milhões e teve procura de quase US$ 1 bilhão.

¿ Essa liquidez vem criando distorções que preocupam o mercado. Países sem os fundamentos do Brasil vêm atraindo muitos recursos.

¿ Como a China. É verdade. Mas o Brasil é o país do futuro. O que estamos fazendo nesse setor, é incrível. O Brasil tem a capacidade de alimentar o mundo. Pena que o dólar não sobe, pois o custo de produção é alto e o dólar está muito baixo ainda.

¿ O dólar está fora do ponto?

¿ Está fora do ponto, sem dúvida, superdesvalorizado. Nossa área econômica trabalha com o dólar a R$ 2,35 ao fim do ano, acho que dá para chegar até lá em dezembro.

¿ A eleição do ano que vem preocupa?

¿ É cedo. As mudanças todas que vieram no campo político alteraram as expectativas. Há muita coisa para ser vista, definida, para que o país possa caminhar e para que possamos ter idéia do que acontece na política.

¿ O mercado pode voltar a ficar estressado, como em 2002?

¿ Não acredito que a economia seja contaminada de forma alguma. Ela vai se manter como está sem turbulência. A menos que tenhamos problemas externos, como o petróleo. Mas o Brasil hoje é quase auto-suficiente. Acho que o país está realmente em uma situação privilegiada.