Valor Econômico, v. 20, n. 4823  27/08/2019. Brasil, p. A4

Macron critica Bolsonaro e quer rever acordo entre UE e Mercosul
 Assis Moreira 

 

Em meio à mais grave crise diplomática entre o Brasil e a França nos últimos 20 anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, avisou que quer reabrir o acordo de livre-comércio concluído entre União Europeia (UE) e Mercosul. Ele alegou que o presidente Jair Bolsonaro não respeita os compromissos assumidos na área ambiental.

Macron endureceu ainda mais em relação ao acordo comercial numa entrevista à TV francesa, quando informou que o pacote financeiro definido pelo G-7 para a Amazônia deverá alcançar ao menos US$ 50 milhões (R$ 207 milhões), em duas etapas.

Ao fim do encontro dos líderes do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Canadá e Itália), o francês disse respeitar a soberania territorial do Brasil, mas observou: "Enviamos a mensagem clara de, atenção, o tema da Amazônia é do mundo inteiro, não podemos deixar tudo ser destruído", em crítica dirigida a Bolsonaro.

Macron argumentou que só deu o sinal verde para o acordo de princípios entre UE e Mercosul, no fim de junho, por causa das promessas de Bolsonaro. Mas alegou que, desde então, o brasileiro sinaliza com apoio a projetos econômicos prejudiciais à floresta.

Exemplificou que demissões feitas por Bolsonaro de cientistas do Inpe deixaram a mensagem de que ele, na prática, sairia dos compromissos ambientais e climáticos. "Não fui eu que mudei, mas ele que não respeitou sua palavra."

Nesse cenário, o presidente francês afirma que não dá para o país ratificar o acordo. "O texto do acordo com o Mercosul não é suficiente", disse à TV F1. "Não traz as garantias que a França queria na área ambiental. Eu sempre disse que um acordo é um todo e a condição é o respeito aos engajamentos climáticos."

Lembrou que o acordo UE-Canadá também sofreu importantes modificações antes de sua ratificação. Mas, questionado se o acordo UE-Mercosul está enterrado, Macron foi prudente, insistindo por "melhorias" - ou seja, endurecer as condições na área ambiental.

Ele reconheceu que a Europa tem "cumplicidade em parte" nos estragos da Amazônia, dando como exemplo a enorme importação de soja. Por isso, disse, um dos planos da França agora é recuperar a "soberania em proteína e produzir mais localmente", em vez de importar tanto do Mercosul.

O acordo UE-Mercosul está em processo de revisão jurídica e de tradução, que pode demorar até março do ano que vem. Mas Macron parece determinado a rever o acordo, algo que é politicamente bom para ele.

A Amazônia esteve no centro de todos os debates no G-7, segundo Macron. Ele qualificou as queimadas de "drama para a humanidade inteira". Insistiu que o país faz parte da região através da Guiana Francesa, sinalizando que pode agir.

O G-7 promete liberar ajuda de emergência de US$ 20 milhões para combater as queimadas para os nove países da região amazônica, incluindo a Guiana Francesa, e não apenas para o Brasil. A soma é apenas um terço do que o Brasil perdeu da Noruega e da Alemanha para o Fundo Amazônia recentemente. O plano é de enviar aviões militares Canadair, bombardeiros de água, para combater os incêndios.

O G-7 concordou também com uma ajuda no médio prazo para ajudar a reflorestar a Amazônia e criar atividade econômica na região, sempre respeitando o ambiente. Esse programa terá ao menos US$ 30 milhões, de acordo com Macron. Será apresentado durante a Assembleia-Geral da ONU em setembro em Nova York. Sua implementação precisa do engajamento dos países da região e ocorreria com participação das ONGs e populações locais.

Segundo o francês, haverá acompanhamento próximo das ajudas, também com participação de ONGs. Ou seja, se o Brasil pedir o dinheiro, não terá a liberdade de utilizá-lo como quiser na região, como pretende o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, espera que se possa mobilizar bem mais recursos no futuro para apoiar os países da Amazônia e também vontade política dessas nações. "Há uma conclamação muito forte da comunidade internacional para ela poder apoiar os países da Amazônia", disse ele.

Macron fez o anúncio em companhia do presidente do Chile, Sebastián Piñera, convidado ao G-7 como presidente da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). Segundo Piñera, a segunda etapa da ajuda será acertada com os países da região amazônica na ONU, em Nova York.

À margem do G-7, o premiê britânico, Boris Johnson, anunciou que o país forneceria 10 milhões de libras para o reflorestamento da Amazônia. O Reino Unido disse também que vai dobrar para 1,44 bilhão de libras sua contribuição para o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund, GCF), uma iniciativa global para responder às mudanças climáticas.

Um porta-voz do fundo informou que o Brasil é elegível para obter o apoio do GCF, incluindo para a proteção da Amazônia, e tem interesse nisso.