Título: Navegador enfrenta três furacões e escapa
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2005, Internacional, p. A9

Antes que a fúria dos furacões Katrina e Rita atingisse a costa do Golfo do México, um drama se desenrolou no oceano. A tentativa solitária do britânico Dom Mee de cruzar o Atlântico num bote movido a vela de kite-surf foi interrompida quando o Rita o atingiu em cheio. Antes, o Katrina e um terceiro furacão menor já haviam esbarrado, mas desta vez fora pior. Em um impressionante relato, Mee contou como lutou por 31 horas para se manter vivo enquanto ondas de 20 metros destruíam a embarcação.

Segundo o navegador, o Rita o alcançou 39 dias após a partida de Newfoundland, no Canadá. Ex-integrante da SAS, o comando de elite da marinha britânica, Mee levava o Mirka na primeira travessia com a vela, tentando cumprir os 1.000 km de percurso em menos de um mês.

''Fui obrigado a ficar na cabine, onde mal dava para esticar as pernas. Era um homem numa máquina de lavar roupas'', descreveu. A primeira coisa destruída no Mirka foram os dois telefones por satélite e o computador.

Com 25% do percurso superado, Mee estava nos chamados Grandes Bancos quando o Rita chegou. A área foi palco de outro drama real, - levado às telas no filme Mar em Fúria (2000) - o naufrágio do pesqueiro Andrea Gale em 1991, na chamada ''tempestade do século''. Barco e tripulantes sumiram.

''Eram 4h quando abri a escotilha para checar o vento. Olhei para cima e vi aquela muralha de água, com uma espuma que lembrava a crina de cavalos galopando. O barco foi jogado longe, tombado de lado. Voltei à cabine e começei a rezar,'' contou, em relato distribuído pela internet.

Dom Mee vestiu o traje salva-vidas e juntou em um saco coisas para sua sobrevivência, incluindo uma garrafa de uísque. Pela primeira vez em dezenas de anos de aventuras, acionou o Epirb (Emergency Position Indication Radio Beacon), que emite sinais de emergência para o resgate.

''Já remei 400 milhas com duas costelas quebradas e tive um barco atropelado no Pacífico. Mesmo assim, nunca havia acionado o Epirb''.

A situação era desesperadora. A cada dez minutos, uma onda capotava o bote. Na décima vez, a embarcação não voltou à posição normal, prendendo-o no casco. Nesse momento, Mee acionou o segundo dispositivo de emergência, PLB (Personal Locator Beacon), que é preso à roupa e localiza o náufrago. Depois mergulhou para tentar ficar sobre o casco.

''O vento era tão forte, de mais de 160 km/h, que era impossível aspirar o ar. As ondas tinham 20 metros de altura ou mais. Subi no casco e me abracei a ele como um animal faz com a mãe'', prosseguiu.

O navegador lutou por cinco horas até que outra onda gigante o derrubou. Com hipotermia, voltou para dentro do casco. Já não sentia mais mãos ou pés quando ouviu os motores de um Hércules. Desafiando o furacão, voava tão baixo que o spray das ondas quase atingia as hélices e lançou-lhe duas balsas e provisões. Tinham se passado 24 horas desde que o bote emborcara. Um cargueiro também chegou, mas não pode ajudar o britânico, salvo por um barco da Guarda Costeira que enfrentou o Rita a noite inteira até alcançá-lo. Mee escapou, mas o mar levou Mirka, que afundou logo depois.