Título: Transporte em crise
Autor: Marcus Quintella*
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2005, Outras Opiniões, p. A11

Há anos que o transporte público nas principais cidades brasileiras está em crise, apesar da existência de inúmeros projetos e planos de ação para a resolução do problema. Esta crise não pode ser ignorada pela sociedade, ainda mais que as estatísticas denunciam o crescimento das perdas de demanda, os aumentos tarifários superiores ao poder de compra da população, a má qualidade dos serviços, a redução da velocidade comercial, decorrente dos congestionamentos, e a deficiência na mobilidade urbana. Ademais, pesquisas recentes mostram que apenas 32% dos brasileiros se locomovem por meio de transportes públicos, ou seja, ônibus, trens e metrôs. O restante da população utiliza o automóvel, a bicicleta, a motocicleta, a tração animal ou anda a pé.

Nos últimos anos, o sistema brasileiro de transporte público perdeu 25% de seus passageiros para o transporte não regulamentado ou, como muitos preferem, alternativo. No caso dos ônibus urbanos, a frota atual de 115 mil ônibus perde cerca de 16 milhões de pessoas diariamente. Já os trens suburbanos e metrôs não vêm apresentando os crescimentos esperados para suas potencialidades como transporte de massa. Para agravar ainda mais a crise, 63% das cidades com mais de 300 mil habitantes possuem transporte ilegal, que, de forma preocupante, crescem a cada dia.

Um estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) prevê que a falta de investimentos no transporte público, no curto prazo, duplicará o nível atual dos congestionamentos nos próximos dez anos, além de aumentar os acidentes e a poluição nas grandes cidades.

Certamente, a solução para os problemas do transporte público nas regiões metropolitanas brasileiras não depende de competência técnica, mas de vontade política. De um modo geral, a mudança do quadro atual somente poderá ocorrer por meio de pesados investimentos em infra-estrutura, tais como em corredores exclusivos para os ônibus urbanos, terminais intermodais, estacionamentos centrais, metrôs, veículos leves sobre trilhos, viadutos, vias subterrâneas ou mergulhões, entre outros.

Para que esses investimentos sejam exeqüíveis, há a necessidade de incentivos tributários e fiscais, associados a linhas de financiamento acessíveis para o setor, além de uma política de transporte público competente, planejada, integrada, apartidária e contínua. Tudo isso possibilitaria um futuro melhor para as populações das regiões metropolitanas, que passariam a desfrutar de uma qualidade de transporte público semelhante aos países desenvolvidos, em vez dos precários serviços prestados atualmente, que causam danos físicos e psicológicos irreversíveis.

O transporte público é essencial para as cidades de médio e grande porte e deve ser considerado como uma necessidade humana básica, uma vez que é o único serviço que participa de todas as atividades da sociedade e afeta as pessoas todos os dias. Por isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza a igualdade entre os cidadãos quanto ao acesso aos serviços públicos de seus países, inclusive o transporte público. Entretanto, isso não vem sendo suficiente para sensibilizar os governantes para que haja uma melhoria na qualidade dos transportes públicos no país. Penso que somente uma pressão permanente da sociedade organizada poderá mostrar aos governantes as necessidades da população, bem como ensiná-los a governar e, conseqüentemente, aplicar satisfatória e honestamente o dinheiro público.

*Marcus Quintella ( marcus@quintella) é professor da FGV e IME