Valor Econômico, v. 20, n. 4830 05/09/2019. Brasil, p. A4

Relator quer que Congresso ajude a cortar gasto de 2020

 Ribamar Oliveira


O relator da proposta orçamentária para 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), pediu aos consultores da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional que sugiram medidas de corte de despesas obrigatórias para abrir espaço fiscal para desafogar as áreas consideradas prioritárias e que foram duramente atingidas pelos cortes. "A minha ideia é reduzir despesas obrigatórias para dar recursos para quem precisa", afirmou em entrevista ao Valor.

Contrário à flexibilização do teto de gastos, o relator acha que o corte de despesas obrigatórias é o melhor caminho para melhorar a situação financeira dos ministérios no próximo ano. "O governo já sugeriu acabar com a multa adicional de 10% do FGTS, como forma de reduzir as despesas", lembrou. "Vamos estudar essa medida e outras que forem sugeridas pelos consultores."

A receita da multa adicional do FGTS por demissão sem justa causa faz apenas um passeio pelas contas do Tesouro Nacional, pois ela não é uma receita do governo, mas do fundo. Ela ingressa como receita e sai como despesa. Para 2020, a proposta orçamentária prevê receita e despesa de R$ 5,6 bilhões. Assim, acabando com a multa, o governo abriria um espaço fiscal de R$ 5,6 bilhões para outros gastos. Isso poderá ser feito por meio de projeto de lei complementar, pois a multa foi instituída pela lei complementar 110, de 2001.

Depois de receber as sugestões de medidas, Domingos Neto disse que irá apresentá-las aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). "Vou discutir com eles o que podemos fazer", explicou. "Em seguida, irei conversar com o ministro Paulo Guedes [Economia] para saber a opinião dele sobre as medidas."

Dessa vez, Domingos Neto disse que os parlamentares "não vão gastar energia discutindo só 4% do Orçamento", numa referência à participação das chamadas despesas discricionárias (representadas pelos investimentos e pelo custeio da máquina pública) nas despesas totais da União. "Vamos discutir os 96%, que é o total das despesas obrigatórias."

O relator observou que o Orçamento de 2020 será o primeiro "impositivo" na história do Brasil. A emenda constitucional 100, promulgada em junho deste ano, determinou que a administração pública tem o dever de executar as programações orçamentárias, "adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade".

Com a emenda 100, na interpretação do deputado, haverá uma mudança do perfil orçamentário brasileiro, afirmou. "Pela primeira vez, o Orçamento da União não será apenas autorizativo", disse. Segundo o deputado, na maioria dos países ele é impositivo. "Na minha opinião, todo o Orçamento passou a ser impositivo. Penso que está é a interpretação dominante na Câmara dos Deputados."

Para ele, a mesma opinião parece ser a dos senadores, pois ao analisarem a proposta de emenda constitucional 98/2019, aprovada na terça-feira, eles retiraram do texto um artigo que limitava o número de emendas de bancada estadual ao Orçamento e que tinha sido aprovado pela Câmara. "Eles corrigiram um erro nosso, pois não pode mesmo ter limite para emenda de bancada estadual", disse. "Acho que isso indica que os senadores também acham que o Orçamento agora é impositivo", observou.

O deputado admitiu, no entanto, que o assunto é controverso e que possui "uma diversidade de interpretações". Ele informou que vai conversar com o ministro Paulo Guedes para saber qual é a interpretação do governo para a emenda 100. "Vou tentar construir com o governo uma interpretação conjunta", adiantou.

Com a existência do teto de gastos para a União, instituído pela emenda constitucional 95/2016, o relator disse que a discussão orçamentária ganhou racionalidade. "Antes, o que era feito? O Congresso reestimava as receitas para aumentar as despesas. Produzia, desta forma, um Orçamento fictício", observou. "Agora, com o teto de gastos, não é mais possível fazer isso, pois, mesmo se as receitas forem reestimadas, a despesa tem um limite."

Domingos Neto defendeu que não haja limite para as emendas de bancada estadual. "É um papel legítimo dos parlamentares brigar por recursos para os seus Estados e os seus municípios", afirmou. "O papel decisório das bancadas mudou. Elas passarão a participar de forma mais ativa, mais forte na solução dos problemas dos seus Estados", avaliou.

Outra decorrência do Orçamento impositivo, na opinião do relator, é que o governo não poderá mais cortar despesas por decreto. "Todas as mudanças orçamentárias terão que ser feitas por meio de projetos de lei submetidos ao Congresso Nacional", avisou.

O relator disse também ao Valor que vai perguntar ao ministro Paulo Guedes por que o fundo para custear as eleições municipais de 2020 ficou em apenas R$ 2,54 bilhões. "Quero um esclarecimento sobre esse valor, pois não sei como se chegou a ele", observou. Para ele, o valor é insuficiente para financiar as campanhas no próximo ano.

"As eleições municipais são muito dispendiosas, pois serão realizadas em mais de 5,5 mil municípios, com milhares de candidatos a vereador e a prefeito", argumentou. "Foi o Supremo Tribunal Federal que acabou com as contribuições privadas às campanhas, não foi o Congresso. Essa foi uma reforma feita pelo Supremo. Se não tem dinheiro privado, tem que ter financiamento público", afirmou. Na discussão em torno do projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO), que está para ser votado pelo Congresso, o relator Cacá Leão (PP-BA) trabalhou com a previsão de que o fundo para as eleições municipais ficaria em torno de R$ 3,7 bilhões.

O relator justificou sua posição contrária à flexibilização do teto de gastos com o argumento de que qualquer tipo de flexibilização abre espaço para a completa inviabilização do próprio teto. "A mudança transmite a mensagem que poderão se abrir exceções sempre que precisar, o que será o fim do teto", afirmou.