Título: Quando o grito vem da rua
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2005, Rio, p. A14

Nas calçadas, praças ou praias nem sempre os menores de rua querem fugir das abordagens acolhedoras dos órgãos públicos. Pelo contrário, muitos deles buscam sozinhos o refúgio nas unidades da rede de proteção. Entretanto, segundo os menores, a entrada nas instituições só pode ser feita com a acompanhamento de policiais da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) ou dos funcionários da Fundação da Infância e Adolescência (FIA). A prática, já conhecida entre educadores dos abrigos e conselheiros tutelares, foi revelada por um grupo de adolescentes ao Jornal do Brasil. Há dez anos morando nas ruas, A. S., 15, perdeu as contas de quantas vezes não foi acolhido pela Kombi da prefeitura e, por isso, fez o seu próprio encaminhamento para uma central de recepção. Na quinta-feira, depois de uma discussão com os educadores de uma central de triagem, conhecida como Casa da Carioca, no Centro, o jovem disse que não temia ficar na rua.

- Se eles (os educadores) não me deixarem entrar, eu faço meu encaminhamento na DPCA e volto - explicava o adolescente, que se diz integrante da facção criminosa Comando Vermelho (CV).

Conforme denunciou ontem o JB, os menores se aliam às facções criminosas para sobreviverem no interior dos abrigos, já que aqueles que pertencem a facções rivais são agredidos e acabam fugindo das instituições.

Um outro adolescente, R., 16, que também se diz integrante do CV, conta que não gosta dos abrigos, mas faz seu encaminhamento quando está com fome ou quer tomar banho.

Um inspetor da DPCA explica que depois de comparecer na delegacia, o menor é levado pelos policiais para as centrais de triagem ou para a FIA. Em alguns casos, os menores de rua também são encaminhados por policiais militares. A prática, segundo os policiais, é uma regra adotada pelos abrigos para evitar a fuga. Por mês, em média, a DPCA faz 150 encaminhamentos de adolescentes para acolhimento. A metade deles é de menores que pedem ajuda sozinhos nas delegacias.

- É incrível que no local onde o menor deveria receber proteção e socorro é exigido dele um encaminhamento - indigna-se o desembargador Siro Darlan, ex-juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, referindo-se aos abrigos.

Segundo a defensora Simone Moreira, coordenadora da Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente da instituição, a responsabilidade do acolhimento e encaminhamento dos menores é dos conselhos tutelares e da prefeitura.

- Quando os meninos dizem que se encaminham é porque já conhecem os procedimentos que precisam adotar para se autodefender - explica.