Valor Econômico, v. 20, n. 4830 05/09/2019. Legislação e Tributos, p. E2

STJ julga correção de pagamentos a produtores rurais

 Beatriz Olivon


 

Depois de perder no Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma disputa com produtores rurais sobre cédulas e contratos de crédito, a União tenta agora reduzir o valor do prejuízo. Em recurso analisado pela Corte Especial, pede a aplicação do índice de correção da poupança às condenações. Os autores das ações defendem o previsto no Código Civil, hoje de 1% ao mês — o que daria uma diferença, ao longo do tempo, de aproximadamente 30%. Por ora, o placar, de cinco votos a um, é favorável à União.

As condenações envolvem a correção monetária de cédulas e contratos de crédito rural implementados durante o Plano Collor I. Em março de 1990, o Banco do Brasil aplicou o IPC (84,32%). Os produtores defenderam o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF), que variou 41,28%, e saíram vencedores em julgamento realizado em 2014 pela 3ª Turma (REsp 1319282). 

Pela decisão, o Banco do Brasil deverá pagar a diferença. Mas como a União, por solidariedade, poderá ter que fazer os pagamentos, recorreu à Corte Especial (EREsp 1319232) alegando que nas condenações impostas à Fazenda Pública há a incidência do índice de correção da poupança — hoje de 0,5%.

Em sustentação oral, o advogado Claudio Lamachia, que representa a Sociedade Rural Brasileira, afirmou que, se for aceita a tese da União, o STJ estaria beneficiando um ente privado, o Banco do Brasil, que terá que pagar a conta final, e não a União, que buscará eventual ressarcimento da instituição financeira.  Além disso, poderá haver diferenças entre os pagamentos aos produtores rurais. 

Já a advogada da União, Márcia Dantas, citou o artigo 1-F da Lei nº 9.494 de 1997. De acordo com o dispositivo, nas condenações impostas à Fazenda Pública, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. De acordo com ela, hoje a União é responsável diretamente por 107 mil créditos.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, defendeu a aplicação do artigo 1-F da Lei nº 9.494, de 1997. O dispositivo, destacou, foi considerado parcialmente inconstitucional em julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros entenderam que dívidas de natureza tributária devem ser corrigidas pelos mesmos juros de mora incidentes sobre créditos da Fazenda Pública. Porém, para condenações oriundas de relação jurídica não tributária deveria ser mantido o índice da caderneta de poupança

Ainda segundo a relatora, a condenação de 2014 não abrange apenas relação jurídica de natureza privada — existente entre os mutuários e o Banco do Brasil —,  alcança também a União na elaboração de política monetária e o Banco Central. “É certo que a solidariedade imposta no acordão implica a possibilidade de responsabilização da União e/ou do BC por toda a dívida, conforme o Código Civil”, afirmou. 

Para a ministra, independentemente de condenação reflexa ou acessória, havendo a possibilidade de a União ou o Banco Central responderem pelo pagamento dos débitos, os juros de mora seguem o índice de remuneração da caderneta de poupança.

Votaram no mesmo sentido os ministros Herman Benjamin, Jorge Mussi, Napoleão Nunes Maia Filho e Laurita Vaz. Apenas o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do julgamento na 3ª Turma em 2014, votou contra o recurso da União. “Entendo que a relação básica é de direito privado com o Banco do Brasil, a relação com a União é derivada dessa”, afirmou. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques.