Valor Econômico, v. 20, n. 4833 10/09/2019. Brasil, p. A4

Envelhecimento é 'janela' para melhorar educação, diz estudo

 Hugo Passarelli


Apesar de movimentos erráticos do governo federal na educação básica, há espaço para buscar saídas que mudem o quadro de baixa aprendizagem dos brasileiros, defende o estudo "Para Desatar Os Nós da Educação: Uma Nova Agenda", que será apresentado hoje em São Paulo.

A mudança demográfica em curso no país, que vai reduzir a demanda por escolas e favorecer o gasto per capita, joga a favor de uma virada de rota no ensino público. Segundo o estudo, cada série deverá ter 500 mil alunos a menos até 2040. Além disso, mais de 60% dos professores em atividade poderiam se aposentar nos próximos dez anos, o que abriria uma janela para alterar a carreira dos novos entrantes.

Autor da análise, João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, diz que é necessário aproveitar o envelhecimento dos professores para criar uma nova carreira, mais atrativa, e que selecione os profissionais mais capacitados. "Devemos buscar quem faz mais de 700 pontos no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] para a carreira", exemplifica.

Paralelamente, seria feito um esforço para que os atuais contratados conseguissem ensinar melhor os alunos. "A única solução conhecida na literatura é adotar um ensino estruturado, em que você dá conteúdos muito bem organizados para o professor fazer em sala", afirma.

Para elaborar as propostas, Oliveira diz que buscou se contrapor ao que chama de "consenso" da educação, isto é, as ideias que têm ditado as políticas públicas na área nos últimos anos.

"Temos uma espécie de pensamento único dominante na educação, o que é preocupante porque, primeiro, não se avança sem contraditório. E, segundo porque me parece que o diagnóstico é equivocado", diz. Em sua opinião, essa linha inspirou o Plano Nacional de Educação (PNE).

Aprovado em 2014 e com vigência de dez anos, o PNE é um conjunto de 20 metas para melhorar o acesso e a qualidade da educação pública. Só um dos objetivos foi totalmente cumprido, o de atingir, entre os docentes do ensino superior, a proporção de ao menos 75% de mestres e doutores. Pelo dado mais recente, de 2017, o percentual era de 79,6%.

O PNE também previa elevar, progressivamente até 2024, os gastos em proporção do PIB para 10%. Esta e a maioria das metas previstas no plano também são criticadas pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que as considera irrealizáveis.

Oliveira faz parte da corrente dos que defendem que o atual nível de gasto com educação - em torno de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) - não precisa ser elevado para atingir melhores resultados. Ele reconhece, porém, que o nível de gasto por aluno na educação básica tem peso relevante. "A partir de R$ 7 mil ao ano, porém, os dados de avaliação disponíveis mostram que o ganho é marginal", afirma

O presidente do Instituto Alfa e Beto também é crítico da proposta de tornar permanente o Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, em especial se houver alguma vinculação do aumento de recursos a variáveis como o crescimento do PIB. Neste cenário, o país criaria uma conta "impagável" a exemplo do ocorreu com a Previdência Social, afirma.

Hoje, a proposta defendida pelo MEC é elevar a complementação da União ao Fundeb de 10% para 15% num prazo de cinco anos a partir de 2021. Já o relatório final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema que tramita na Câmara dos Deputados, a ser apresentado em breve, deve prever que o repasse triplique nos próximos dez anos.

O especialista argumenta que, em meio à promessa do governo de descentralizar a administração pública, Estados e municípios tentem criar arranjos para as políticas. "O fato de o governo não estar conseguindo tocar a agenda cria espaço para Estados e municípios assumirem protagonismo", diz. Nesse sentido, ele propõe criar um "Simples educacional" para os municípios com menos de 20 mil habitantes, isto é, uma estrutura administrativa mais enxuta para as localidades que atendem a uma parcela menos significativa de estudantes.

Mesmo que falte a "perna" da União, Oliveira afirma que este cenário talvez seja mais favorável dado o "mal que o MEC já fez no passado". Em sua opinião, a atual gestão do MEC repete 99% do que era feito até então. "Os ruídos são marginais e não têm o impacto na realidade", afirma.

Oliveira ainda defende testar, apesar dos riscos e de resultados ambíguos nas experiências internacionais, a política de vouchers, uma espécie de "vale-escola", em que os pais recebem recursos do governo para colocar os filhos nas instituições de sua escolha.

"Experimentos controlados poderiam, por exemplo, avaliar o uso de 'vouchers' para que as famílias que procuram creches públicas utilizem diferentes formas de serviços - inclusive na forma de educação familiar, mães crecheiras, centros de recreação e creches não públicas", diz.

Outra vertente para o uso dos vouchers, ele sustenta, seria o ensino médio profissional, "que precisa ser expandido com rapidez e para o qual o setor privado é especialmente vocacionado".