Correio Braziliense, n. 21704, 19/08/2022. Política, p. 4

Lei da Improbidade não atinge condenados

Henrique Lessa


O plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria em relação ao entendimento de que a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) não pode ser aplicada aos casos já transitados em julgado, ou seja, em que não cabem mais recursos. Estão incluídos nessa situação os processos que estejam na fase de execução da sentença.

Da mesma forma, a nova contagem do tempo para a prescrição previsto na LIA, menor que a legislação anterior, não poderá ser usada nos casos antigos. Segundo Moraes, “não havendo inércia do Estado, não há prescrição”. Por outro lado, o magistrado reconheceu a aplicação da nova lei aos casos ainda em aberto, já que a lei anterior foi revogada. Assim, o juiz que for decidir sobre casos em andamento deverá se guiar pela nova legislação.

A decisão afeta diversos políticos condenados pela Justiça por improbidade administrativa. Um deles é o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL), que dependia da decisão do Supremo para levar adiante a candidatura a deputado federal. Assim, o entendimento pode não beneficiá-lo, porque o político aguardava a retroatividade dos efeitos da lei sancionada em 2021 para garantir sua candidatura.

A decisão do STF também deve atingir as pretensões de políticos como o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (União Brasil-RJ), que pretendia se candidatar a deputado federal.

No caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PTB-SP), cujos processos ainda estão em fase de recurso, a decisão da Corte dá argumentos para que mantenha sua candidatura a deputado federal por São Paulo.

Quem também deve se beneficiar é o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (PL-RJ), candidato a uma cadeira na Câmara, pelo estado do Rio de Janeiro. Ele responde a processos por causa da crise sanitária da pandemia de covid-19.

A LIA, sancionada em outubro de 2021, pelo presidente Jair Bolsonaro, tem sido alvo de críticas de juristas por dificultar a responsabilização de agentes públicos que cometam desvios. A lei define quais são as condutas não permitidas, que resultem em prejuízo ao Estado brasileiro, mas, a partir de agora, exige que exista o dolo (intenção) para configurar o mal-feito. Como a intenção é subjetiva, ficou mais difícil distinguir o que é “apenas incompetência” do que é intencional.

Também foram encurtados os prazos de prescrição, ou seja, o tempo que a Justiça ou os tribunais de Contas têm para acionar os agentes públicos para que respondam por irregularidades. O novo texto define ainda que, mesmo que a conduta seja inadequada, a lei só poderá ser aplicada no caso da confirmação de dano ao Estado.

 

Divergências

A decisão, apesar de definida por maioria dos ministros, teve divergências em diferentes pontos, e levaram a resultados diversos em cada uma das votações. Defenderam a aplicação da nova lei para os casos ainda abertos, ou seja, aqueles que não transitaram em julgado e aos quais ainda cabem recursos, sete ministros: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente da Corte, Luiz Fux.

Quatro ministros foram contrários a qualquer retroatividade da lei: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia, por entender que essa retroatividade só é valida para a lei penal, o que não é o caso da LIA — que, apesar de prever sanções, não é matéria penal.

Rosa Weber declarou, em seu voto, que “a retroatividade benéfica da lei penal deve ter uma interpretação restritiva, ou seja, circunscrita ao direito penal”, e não em uma legislação administrativa.

 

Retroatividade

No caso dos processos encerrados, o placar foi mais largo, 8 a 3, no sentido da impossibilidade de aplicação da nova lei. Apenas os ministros Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram pela retroatividade, decisão que beneficiaria alguns políticos já condenados em última instância. Para André Mendonça e Lewandowski, nos casos de existência de prazo para a realização de rescisória, um tipo de ação que busca mudar uma decisão já transitada em julgado, o novo julgamento deveria se guiar pela nova lei.

Quanto aos prazos de prescrição, mais curtos na nova legislação, a maioria decidiu pela impossibilidade de aplicação em qualquer ação que ainda esteja tramitando nas cortes. Com isso, os prazos previstos na nova lei só valem a partir da data da publicação da norma, 26 de outubro de 2021.

O presidente do STF, Luiz Fux, encerrou o julgamento ressaltando que “a Corte venceu um tema de extrema importância para o sistema jurídico brasileiro”.