Título: UE sim, ALCA também
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2004, País, p. A2

O tratamento enfático que o Brasil dá hoje às negociações comerciais com a União Européia (UE) é fruto de uma estratégia tradicional de Brasília e, ao mesmo tempo, um erro comum do país: o de submeter a inserção comercial aos parâmetros político-estratégicos concebidos por grupos dominantes no Itamaraty.

O flerte com o outro lado do Atlântico é um mecanismo histórico que o Brasil utiliza para ganhar poder de barganha com Washington. Não é à toa a tamanha ênfase que o país dá hoje às negociações com a Europa no mesmo momento em que estão congelados os entendimentos sobre a Alca.

O Brasil já fez ações semelhantes quando Vargas sinalizou simpatia ao regime de Hitler (o que, para alguns autores, acabou rendendo a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda). Fez o mesmo ao condecorar Che Guevara ou ao reconhecer o governo comunista de Angola, tudo em plena Guerra Fria.

A diplomacia faz sentido quando há um competidor igualitário à potência, como foi a União Soviética. Sem querer perder o aliado, Washington tinha, às vezes, que fazer concessões. Mesmo assim, é um movimento perigoso que pode gerar reações como a de 1964.

Com o fim da Guerra Fria, o país utiliza o mesmo padrão, sem um competidor igualitário no sistema e adaptado para as questões comerciais. Isso acarreta pelo menos dois problemas.

O primeiro tem por base a própria pauta comercial brasileira. Os ganhos com um acordo de comércio com a Europa são menores do que os possíveis lucros a serem gerados pela Alca. A pauta de exportação brasileira para os europeus é basicamente agrícola, o setor que Bruxelas não tem a menor intenção de abrir! O principal produto da pauta de exportação para os EUA, no ano passado, foi telefone celular.

Outro problema é a politização excessiva do comércio. Em um mundo de relações intra e entre-firmas, onde as políticas nacionais passam longe, a tática pode ser anacrônica e traz a discussão sobre a necessidade de uma agência independente para cuidar das relações comerciais do país, sem que estejam, assim, submetidas a elocubrações estratégicas que trabalham mais para o Estado e menos para a população.