Valor Econômico, v. 20, n. 4915, 09/01/2020. Finanças, p. C8

Aposentadoria se faz com ações

Vinícius Ribeiro Vieira


Finalmente chegou o momento que há tanto tempo economistas e profissionais do mercado aguardavam.

A reforma da Previdência foi aprovada, a inflação, corrente e esperada, encontra-se controlada e a Selic caiu ao menor nível de sua história. Todas essas notícias são excelentes para a retomada do crescimento econômico. Porém, para os investidores representa um grande desafio: como e onde investir os recursos.

Vivemos durante muito tempo a era da renda fixa. Grande parte dos nossos recursos, mesmo os de longo prazo, eram investidos em ativos de baixo risco, títulos públicos prefixados ou indexados à inflação. Quadro esse muito diferente de países com juro menor, como os EUA, onde alocações em renda variável e ativos de risco possuem representatividade em portfólios de diferentes perfis de investidor.

Com o fim do ambiente de retornos de “1% ao mês e sem risco”, a realidade dos brasileiros começou a se aproximar daquele grupo de países. Percebe-se a real necessidade de aumentar exposições em ativos de maior risco, como ações, focando não apenas retornos de curto prazo, mas principalmente em poupança de longo prazo, como a aposentadoria.

Esse contexto tem acelerado o movimento de migração de recursos de renda fixa para renda variável. Olhando para o total de investidores pessoas físicas, dados da B3 mostram que, até outubro, existiam 1.536.216 contas ativas na Central Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). Apesar do crescimento de 88,8% em relação ao ano anterior, este número representa apenas 0,7% da população brasileira, exposição muito baixa quando comparada ao grupo de países com baixas taxas de juros.

Essa migração de recursos em busca de maiores retornos e diversificação também pode ser observada na indústria de fundos de investimentos brasileira, cujos dados divulgados pela Anbima mostram que o patrimônio dos fundos de ações e ETFs, em outubro, era de R$ 450 bilhões, um crescimento de 35,66% em relação a dezembro de 2018. Deste crescimento, R$ 65 bilhões (19,6% do total) foram de captação de novos recursos.

Os fundos de pensão ainda estão iniciando essa migração. Dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) mostram que o percentual alocado em ativos de renda variável, em junho de 2019, era de 18,2%, inferior aos 23% alcançados em 2013. Essa baixa alocação relativa indica um potencial de continuação e até mesmo um risco de aceleração desse movimento.

A queda nas taxas de juros nominais e reais em 2019 permitiu, devido a marcação a mercado, que títulos públicos apresentassem rentabilidades elevadas, com alguns superando até mesmo o Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro. Esse cenário não deve se repetir em 2020, uma vez que as taxas dos títulos se encontram próximos a seus patamares mínimos históricos, reduzindo o potencial de ganho de capital dessa classe de ativos.

Segundos dados do Tesouro Nacional, até outubro deste ano haverá mais de R$ 770 bilhões em vencimentos de títulos da dívida pública mobiliária federal (aproximadamente 18,7% do total), que gestores e investidores deverão decidir, dentro desse ambiente de juros baixos, onde reinvestir. É consenso no mercado que parte desses recursos poderão migrar para bolsa e sem dúvida isso tem causado algum impacto no preço das ações brasileiras. Contudo, como este volume é muito expressivo e nunca houve em nossa história momento com taxas de juros em níveis iguais ao atual, é provável que este fluxo deva continuar, mesmo com o Ibovespa negociando próximo a suas máximas históricas.

No mercado de previdência complementar, há instituições que oferecem planos que ajustam automaticamente a exposição a riscos do portfólio, conforme o ciclo de vida em que cada um se encontra. Assim, oferecem a um investidor que planeja se aposentar próximo a 2050 uma exposição em renda variável maior do que para aquele que planeja se aposentar próximo a 2030, pois o risco vai decaindo na medida que a data alvo se  aproxima.

Há também a opção de investir diretamente em ações e fundos de ações no intuito de fazer seu “próprio plano de aposentadoria”. Nos Estados Unidos, pesquisa realizada em 2018 pelo Wells Fargo/Gallup, mostrou que 54% dos americanos acreditam que fundos de ações e ETFs são a melhor opção de investimento no longo prazo, ou seja, com foco em poupar para aposentadoria.

Juros baixos também criam oportunidades para empresas boas pagadoras de dividendos, as quais hoje conseguem proporcionar, somente via dividendos, retornos compatíveis e, em alguns casos, até superiores ao CDI. Dessa forma, essas ações também podem fornecer um fluxo de rendimentos que complemente a aposentadoria. Já para aqueles que preferem reinvestir os dividendos ao invés de receber esses recursos diretamente, os fundos de dividendos são uma excelente opção, pois ao reinvestir os valores recebidos, potencializa os ganhos com a apreciação dos ativos.

O momento que vivemos é único e devemos começar a pensar em investimentos em renda variável como poupança de longo prazo e aposentadoria e não somente oportunidades de curto prazo. Seja por meio de ações, fundos de ações ou de planos de previdência privada com exposição a renda variável, a aposentadoria começa agora e pode ser feita com ações!

Vinícius Ribeiro Vieira é gestor de fundos de ações ativos da BB DTVM

E-mail: viniciusvieira@bb.com.br

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