Valor Econômico, v. 20, n. 4834 11/09/2019. Legislação e Tributos, p. E2
O compliance e o dano ambiental
Luciana Lanna
Jair Jaloreto
O compliance encontrou forte apoio na Lei 12.846 de 2013, (Lei Anticorrupção). A grande inovação dessa lei é punir as pessoas jurídicas que praticam atos contrários à administração pública. Também cabe destacar o compliance como um dos mecanismos de prevenção de desastres ambientais, mas não o único. No Brasil há também o controle externo sobre as atividades econômicas que possam gerar relevante impacto ambiental, que vai se dar pelo intermédio do Ministério Público e das agências reguladoras.
No que se refere às normas de direito ambiental, destaca-se que a regulação ambiental no Brasil vai surgir de maneira mais estrita a partir da década de 90, impondo uma série de condutas que antes não estavam previstas em lei. Instituíram-se regras claras de conduta aos detentores da atividade econômica, como reforço ao aparato de fiscalização do Estado. Também vieram as multas e penalidades, daí a necessidade de estar "em conformidade" com a norma.
Desconsiderar futuras consequências no âmbito criminal em prol de um ganho imediato pode ser fatal para pessoa jurídica
A Lei de Crimes Ambientais, por sua vez, contempla a responsabilização penal do agente que provocou o dano, de forma dolosa ou culposa. De acordo com o artigo 2º da lei, podem ser punidos o "diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la".
Da mesma forma, o artigo 3º da lei prevê a punição civil e criminal das pessoas jurídicas ante o cometimento de crimes contra o meio ambiente, "nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade"
Agrava o cenário a tensão provocada por conta dos últimos desastres ambientais no país. A Câmara dos Deputados aprovou em junho deste ano o Projeto de Lei 2.787/19, que tipifica o crime de ecocídio, a destruição em larga escala do meio ambiente.
Na prática, o PL pretende alterar a Lei de Crimes Ambientais para tornar crime a conduta de dar causa a desastre ecológico pela contaminação atmosférica, hídrica ou do solo, pela destruição significativa da flora ou mortandade de animais, que gere estado de calamidade pública. Também propõe tornar crime a conduta de dar causa a rompimento de barragem pela inobservância da legislação, de norma técnica, da licença e suas condicionantes ou de determinação da autoridade ambiental e da entidade fiscalizadora da segurança de barragem.
As penas previstas são duríssimas. No primeiro caso, podem chegar a 20 anos, e no segundo, a cinco. O PL prevê o aumento do limite para multas por infrações administrativas ao patamar de um bilhão de reais. A considerar a sensibilidade da matéria, a tendência é que, com uma ou outra emenda o Projeto se convole em lei.
Por fim, além da conformidade à normativa legal, em termos amplos, o compliance refere-se à observância de parâmetros de caráter ético e de política empresarial, através da adoção de estandartes e diretivas empresariais.
Para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no âmbito da análise da responsabilidade administrativa, o aspecto ambiental recai sobre o "Duty of Loyalty" (Deveres de Lealdade - art. 155 da Lei nº 6404/76), levando-se em consideração a consciência que o administrador deve ter do nexo de causalidade entre a conduta dele de não corrigir ou interromper uma atividade e o possível dano ao meio ambiente.
Para que haja efetividade, o compliance deve ser forte e independente, de modo que, ao se constatar uma não conformidade com a legislação ambiental, geradora de risco iminente, efetivamente se consiga corrigir o rumo e colocar a atividade da empresa nos eixos, mesmo que isso gere algum custo a curto prazo.
Ao deliberar sobre processos mitigatórios de risco ambiental que possam incrementar os custos operacionais da empresa e/ou diminuir seu faturamento ou margem de lucro, a diretoria executiva e conselho de administração devem sopesar eventuais conflitos de interesse, priorizar os interesses da organização como um todo, a perenidade da companhia e a primariedade dos seus executivos.