Valor Econômico, v. 20, n. 4835 12/09/2019. Política, p. A10
Cintra é demitido e Bolsonaro retira de pauta proposta de nova CPMF
Claudia Safatle
O presidente Jair Bolsonaro jogou, ontem, uma pá de cal na proposta de criação de um tributo sobre transações financeiras para substituir, integral ou parcialmente, a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento das empresas. Após a demissão do secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro escreveu em seu Twitter: "A recriação da CPMF ou o aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do presidente".
A exoneração de Cintra foi motivada por uma sequência de desentendimentos, inclusive com o próprio Bolsonaro, mas a gota d'água decorreu de uma palestra do secretário adjunto, Marcelo de Souza Silva, onde o subordinado de Cintra anunciou a alíquota de 0,4% que estaria na base da eventual criação do novo imposto sobre transações financeiras.
Guedes, ministro da Economia, havia dito, em entrevista ao Valor publicada na edição de segunda feira, que a proposta de reforma tributária, que seria em breve enviada ao Congresso Nacional, traria uma "escadinha" para o imposto sobre transações financeiras, o sucedâneo da CPMF: "Se quiser alíquota de 0,2% de imposto podemos baixar a [contribuição previdenciária sobre a folha de salário das empresas] de 20% para 13%; se quiser pagar 0,4% você já consegue derrubar a CSLL; e se quiser pagar 1% você acaba com o IVA [Imposto sobre Valor Agregado, cuja criação também consta do projeto do governo]".
O ministro estava construindo um discurso de, com o novo tributo, "desonerar a folha de pagamento, o imposto mais perverso, cruel e com pior efeito cumulativo". Na linha da defesa da recriação da CPMF, ele calculou inclusive o efeito cumulativo da contribuição previdenciária sobre a folha de salário das empresas e o comparou ao efeito cumulativo do novo tributo. "Quando você pega uma cadeia com dez elos, o efeito cumulativo [do imposto sobre transações financeiras] é 4,5%. E o efeito cumulativo sobre a folha de pagamento [INSS] é de 14%", disse o ministro.
A apresentação do secretário adjunto subverteu a ordem hierárquica - apenas Cintra e Guedes estavam qualificados para decidir e anunciar uma ideia ainda em discussão que não tinha definido, sequer, o nome do tributo e sua natureza, se é imposto ou contribuição.
Faz uma enorme diferença a sua natureza: se for imposto, é repartido com os Estados e municípios. Já uma contribuição destina as receitas apenas para a União.
Se Guedes, depois de um recuo estratégico, não conseguir demover Bolsonaro, não haverá desoneração da folha.