Valor Econômico, v. 20, n. 4913, 07/01/2020. Finanças

Fraudes financeiras e o cenário atual de investimentos

Fernando B. do Amaral


Charles Ponzi foi o responsável por uma das mais sensacionais fraudes financeiras da história, com impacto tão significativo que o caso acabou por batizar esquemas de pirâmide em geral.

Ponzi prometia a seus clientes dobrarem o capital investido em três meses, o que provocou um frenesi em Boston no primeiro semestre de 1920. Ele supostamente havia elaborado uma operação de arbitragem entre os valores de selos postais de diferentes países, mas

Ponzi prometia a seus clientes dobrarem o capital investido em três meses, o que provocou um frenesi em Boston no primeiro semestre de 1920. Ele supostamente havia elaborado uma operação de arbitragem entre os valores de selos postais de diferentes países, mas nunca conseguiu operacionalizar a transação e não investiu em ativo algum. Como em qualquer situação de pirâmide financeira, os resgates de clientes eram pagos com recursos de novos clientes e a engrenagem funcionou enquanto houve mais depósitos do que saques.

Mas o tamanho que a operação atingiu chamou atenção, gerou crescente desconfiança e culminou com o aumento dos saques. A empresa quebrou e os clientes que ainda não haviam resgatado, cerca de 95% do total, descobriram que tinham perdido tudo o que haviam depositado.

Depois de anos preso nos EUA, Ponzi foi deportado para a Itália e acabou, quem diria, no Brasil. Morreu, em janeiro de 1949, no Hospital São Francisco de Assis, da UFRJ, no Rio, sozinho e na miséria.

A grande fraude da nossa geração foi perpretada por Bernie Madoff ao longo dos anos 1990 e 2000. Madoff dizia usar uma estratégia, à qual chamava pomposamente de “split strike conversion”, que envolvia: 1) exposição à bolsa americana via o índice S&P 500; 2) compra de uma put (opção de venda) para se proteger de uma queda do mercado; e 3) venda de uma call (opção de compra) para baratear a compra da put. Era algo relativamente simples e usado por diversos outros gestores e traders, mas Madoff batia seus pares consistentemente, rendendo mais e oscilando menos. Hoje sabemos que, em algum momento no início dos anos 1990, num mês em que o rendimento do fundo foi negativo, ele “fabricou” uma cota falsa, positiva, que escondia o resultado real.

Afirmou ter a intenção de, posteriormente, quando dispusesse de alguma gordura no resultado do fundo, devolver a performance inexistente e ajustar a cota de volta para a realidade. Independente se era essa ou não sua vontade inicial, o que não muda em nada o que fez, esse dia nunca chegou e Madoff seguiu por muito tempo produzindo suas cotas imaginárias e arrecadando depósitos e pagando resgates com base nelas.

Só foi interrompido quando, com a crise de 2008, os saques aumentaram e, como nos demais “Ponzi schemes”, não existiam os fundos para pagá-los.

Um outro tipo de fraude financeira pode ser conhecida por meio de um documentário, para quem dispuser de duas horas, ou de um livro, para quem puder dedicar um pouco mais de tempo. “A Inventora”, disponível na HBO Brasil, e “Bad Blood”, ainda sem tradução no Brasil, contam a história de Elizabeth Holmes e da empresa que criou, a Theranos. Com apenas 19 anos, Holmes largou em 2004 o curso de engenharia da Universidade Stanford para fundar um negócio que prometia revolucionar a indústria de saúde e a forma com que exames de sangue são feitos.

Com apenas umas poucas gotas de sangue, ao invés de vários tubos, e o uso de uma máquina muito menor do que as então existentes, se obteria resultados rápidos e baratos para mais de 200 tipos de exames. Ao longo de uma década, Holmes levantou mais de US$ 400 milhões de investidores, reuniu um “dream team” no conselho de administração, com nomes como George Shultz e Henry Kissinger, ex-secretários de Estado americanos, e colocou de pé uma empresa que chegou a ser avaliada em US$ 10 bilhões.

Havia apenas um problema, o equipamento que desenvolveu não funcionava. Em grande parte dos casos, os exames indicavam doenças inexistentes ou, pior ainda, não acusavam condições, muitas vezes graves, que outros métodos identificavam. A empresa faliu e Holmes está respondendo a vários processos por fraude, cujo julgamento começará em julho de 2020.

E qual é a importância disso agora? Estamos vivendo no Brasil uma profunda mudança na forma de se posicionar nos investimentos. Com os juros reais (líquidos de impostos) próximos a zero, a fatia das alocações dedicada à renda fixa conservadora, que historicamente sempre foi elevada, passa agora a fazer sentido apenas para o montante em que se necessita de liquidez imediata para gastos correntes. A massa de recursos ali alocada já começou a se mover na direção de ativos com maior potencial de retorno. Houve, na primeira metade do ano, uma forte valorização de ativos de crédito corporativo, o que achatou fortemente os spreads (a remuneração que as empresas pagam acima dos juros de mercado). Houve, a partir de agosto, uma abrupta reversão do movimento, o que provocou perdas e resgates em fundos da categoria. Nos últimos meses, aumentou a procura e o interesse por ativos imobiliários, assim como por ações, com o volume médio de negociação na bolsa saltando de R$ 6 bilhões em 2015 para cerca de R$ 15 bilhões por dia atualmente.

Tudo isso faz parte de um saudável desenvolvimento do mercado de capitais, com a queda nos juros motivando o surgimento de novas e interessantes opções de investimento. Mas é nesse momento que a busca por retorno pode se sobrepor a outros aspectos que precisam ser valorizados, como os riscos envolvidos. Mais do que nunca, há que se tomar cuidado com promessas de ganhos, em particular as que são “boas demais para serem verdade”, e não se esquecer do ensinamento de Warren Buffet, cujas decisões de investimento são ditadas por uma regra simples: “seja ganancioso quando os outros tiverem medo, mas tenha medo quando os outros estiverem gananciosos”.

Fernando Barrozo do Amaral é CEO do GGP Family Office

E-mail: fbamaral@ggp-fo.com

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