Título: ''A greve é contra o MEC''
Autor: Rodrigo Vasconcelos
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2005, Brasília, p. D3

A greve dos professores da Universidade de Brasília está prestes a completar um mês de duração. Desde o dia 5 de setembro, as aulas na maioria dos departamentos da instituição estão suspensas. Os grevistas querem reajuste imediato de 18%, incorporação das gratificações, elaboração do plano de carreira e de um calendário de reposição das perdas salariais entre 1995 e 2004, contratação de mais professores por meio de concurso público e mais recursos para pesquisa. O movimento dos docentes argumenta que a paralisação das atividades é a única maneira de chamar a atenção do governo e da sociedade para a situação precária da universidade pública brasileira. Ivan Camargo, decano de ensino e graduação da UnB, concorda que é justo lutar por melhores salários e condições de trabalho. Mas acha que as reivindicações do movimento grevista fazem parte de uma pauta permanente e que a greve, último recurso de negociação dos professores, não é o instrumento adequado para a discussão. Em entrevista ao JB, Ivan Camargo critica a greve, que custaria R$ 1 milhão por dia à instituição e defende a discussão de teses polêmicas, como a de que os alunos com boas condições financeiras devem pagar para estudar.

¿ Os estudantes da UnB costumam reclamar de que, pelo menos de dois em dois anos, os professores entram em greve. O movimento docente argumenta que as paralisações são recorrentes porque as reivindicações não são atendidas. Quem está certo? ¿ Sou radicalmente contra esse processo de greve. O prejuízo para a universidade é incalculável. A pauta de reivindicações do movimento é correta. Todos nós somos a favor de contratar mais professores, de melhorar a remuneração e as condições de ensino. Mas essa pauta é permanente. Usar nosso último instrumento de barganha para reivindicar pontos da pauta permanente é uma atitude errada do movimento docente. Essa é minha avaliação pessoal, mas como decano da UnB, sei que a greve não é contra a administração. É contra o Ministério da Educação (MEC). Por isso mesmo, nós ficamos numa situação de inoperância, já que não podemos fazer nada. Preferia que a greve fosse contra o decanato e que bastasse me substituir para resolver o problema. Mas não é assim e, por isso mesmo, não concordo com o movimento de greve da forma como é feito hoje.

Qual é a principal conseqüência da greve para a vida acadêmica? ¿ A gente perde nossos alunos, que são a razão de existir da universidade. Da mesma forma que a Volkswagen só tem força no mercado quando os trabalhadores produzem, nós só fazemos diferença e sentido quando temos nossos alunos aqui. Com a greve, a UnB cai no marasmo. Corredores e salas de aula vazias são tudo o que qualquer universidade não quer. O processo de melhora do salário tem de ser negociado. A última instância é a greve. E a ocorrência freqüente de greves enfraquece o próprio movimento docente.

Caso haja suspensão do cronograma das aulas para o 2º semestre de 2005, existe risco de que as aulas não sejam repostas integralmente para apressar a regularização do calendário de atividades? Ou de que os professores corram contra o tempo para cumprir o programa da disciplina com prejuízo da qualidade? ¿ Quem define o calendário é o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UnB. Toda vez que a universidade parou até hoje, o colegiado que integra o Cepe decidiu sempre pela reposição integral das aulas ao discutir a redefinição do calendário. Portanto, não há necessidade alguma de pressa. O professor terá o mesmo tempo para cumprir o programa do curso. Mas mesmo repondo tudo, a qualidade fica comprometida, porque a seqüência das aulas é interrompida. Se essa greve durar mais tempo, não vamos ter condições de oferecer as disciplinas previstas para o verão, por exemplo. E esse é outro prejuízo incalculável.

¿ Mas que tipo de prejuízo? As disciplinas de verão atendem muitos alunos? ¿ No primeiro semestre, tivemos 25 mil pedidos de matrícula em disciplinas que não pudemos atender por falta de professores. Na disciplina de cálculo 1, por exemplo, que é básica e obrigatória no currículo de vários cursos, muitos alunos não conseguiram se matricular por falta de vagas. Foram orientados então a cursar a disciplina no verão. Quando suspendemos as aulas de verão, perdemos a oportunidade de aliviar um dos nossos principais gargalos que é a falta de vagas nas disciplinas básicas e obrigatórias para vários cursos. Mas o pior é que o aluno leva mais tempo do que o necessário para se formar e o MEC penaliza a UnB por isso.

Existem sanções contra a universidade quando o aluno leva mais tempo para formar? Quais? ¿ O ministério estipula um tempo mínimo de duração do curso para cada carreira. Se o aluno demora mais tempo para concluir a graduação, o MEC não o inclui na matriz de distribuição dos recursos. O aluno dá prejuízo, ou seja, estuda sem que a UnB receba a receita correspondente ao custo dele para a instituição. Precisamos trabalhar com prazos, até porque não faz sentido segurar o estudante mais do que o tempo necessário para a formatura. E esse tempo é muito impactado pela greve dos professores.

Além da reivindicação por aumento de salários, os professores reclamam também da falta de estrutura para trabalhar. Não é preciso andar muito pela UnB para perceber que a reclamação faz sentido. A greve não seria uma forma de chamar a atenção da sociedade para esse problema? ¿ É verdade que falta estrutura e a verba para esse item é pequena. Mas ainda assim não concordo com a greve. Todos sabem que falta estrutura e todos sabem a verba disponível. O que a gente tem de fazer é sentar e discutir a melhorar maneira de distribuir esses recursos. Mas é claro que não dá para atingir as condições ideais. Vamos pôr os pés no chão! É muito importante, por exemplo, trazer professores estrangeiros para compor as bancas, mas não dá para fazer isso o tempo todo, porque custa dinheiro.

Mas qual a razão da falta de estrutura numa universidade que está entre as melhores do País e que recebem mais verbas do MEC? Falta dinheiro? Vontade política? ¿ Esse ano, tivemos um aumento das verbas de custeio de R$ 30 milhões para cerca de R$ 45 milhões. Cerca de R$ 15 milhões estão comprometidos com o pagamento de vales-transporte, creche etc. Mesmo assim o aumento é razoável. Em vez de paralisar as aulas, vamos discutir como gastar melhor esse dinheiro. Não acho que seja falta de vontade política. Não existe governo razoável que não queira melhorar a educação.

O movimento de greve dos docentes argumenta que o governo federal transfere recursos da universidade pública para a particular e que os recursos repassados para pesquisa, carro-chefe do ensino superior público, caíram mais de 50% nos últimos anos. Não é uma perspectiva meio desoladora para os defensores do ensino superior público gratuito? ¿ Nosso trabalho é formar bons quadros que constituirão a classe dos intelectuais e a elite do País. Felizmente, apesar de todos os problemas, ainda acredito na universidade pública, porque mantivemos o monopólio do bom aluno. Mas no longo prazo, corremos o risco de perder esse privilégio.

Mas bons alunos sem investimento na qualidade de ensino não resolvem o problema. E mais dinheiro para investir é reivindicação antiga dos grevistas... ¿ Dos cerca de R$ 300 milhões que compõem o orçamento da UnB, cerca de 90% ou R$ 270 milhões são gastos com a folha de pagamento. Os outros R$ 30 milhões são verba de custeio. É do custeio que sai o dinheiro para investimento e foi esse montante que subiu para R$ 45 milhões. Além disso, o governo anunciou a contratação de 2.500 professores até o fim desse ano e de 3.500 no ano que vem. É pouco, mas as cartas estão postas na mesa. E é dentro das condições reais que temos de trabalhar para resolver os problemas da melhor forma possível. Cruzar os braços porque querem, em vez das 6 mil anunciadas, 10 mil contratações é fugir da realidade. É irritante isso. A única forma de resolver os problemas do ensino superior público brasileiro é fazer com que universidades, governo e sociedade trabalhem juntos para resolver isso.

O senhor disse que é preciso trabalhar dentro das condições existentes. Mas isso implica trabalhar num contexto em que a maioria dos jovens brasileiros não tem acesso ao ensino superior e os recursos não são suficientes para aumentar as vagas mantendo a qualidade. Como trabalhar com poucos recursos e muitos alunos, sem prejuízo da qualidade do ensino? ¿ Só 10% dos jovens entre 18 e 24 anos chegam ao ensino superior no Brasil. Desse conjunto, só 20% estão na universidade pública. Se não existe verba suficiente para custear o aumento das vagas para atender a demanda, não vejo problema algum em trazer para a discussão a possibilidade de que, por exemplo, os alunos que podem pagar, paguem e de que o governo custeie bolsas de estudo para os que não têm dinheiro.

Mas pagar para estudar não desvirtua o sentido de universidade pública? ¿ Na semana passada, estive numa palestra para alunos do 3º ano do ensino médio no Centro Educacional Médio do Gama. Perguntei para a platéia o que a UnB significava para eles. Vários responderam que era um sonho inatingível. Quando pedi que levantassem a mão todos os que prestariam vestibular para medicina, ninguém se mexeu. É mesmo público isso aqui? Temos de cair na real!

A UnB tem recursos próprios. Não poderia resolver boa parte dos problemas sem ter de esperar pela boa vontade do governo federal? ¿ A UnB tem patrimônio. Mas claro que não vamos gastá-lo com o custeio da instituição. Patrimônio só se gasta para adquirir patrimônio. Vendas de projeções de apartamento, por exemplo, deverão financiar a construção de novos prédios para abrigar os institutos de química e biologia, que hoje ficam no Minhocão. Com isso, vamos desafogar as salas de aula, melhorar as condições de ensino e ampliar nossas condições de atender a demanda dos alunos pelas disciplinas básicas.

Mas como o senhor mesmo disse, faltam professores para atender a procura pelas disciplinas básicas. De que adianta mais salas de aula sem mais professores? ¿ Soluções criativas contornam boa parte dos problemas. Um exemplo é o que ocorreu na disciplina de Introdução à Economia, obrigatória para vários cursos. O departamento fez um esquema excelente de monitorias que resolveu o problema. Todo mundo consegue se matricular. O Departamento de Filosofia tem um projeto semelhante para o curso de introdução. O ideal é que cada departamento tenha autonomia para resolver seus próprios problemas fazendo o melhor possível dentro das condições de trabalho existentes.

Qual é a proporção de professores por aluno na UnB? ¿ Desde 1994, temos 1.300 professores, cerca de 50 se aposentam por ano e a contratação de professores praticamente repõe esse número. E de lá para cá, dobramos as vagas, que passaram de 13 mil para 26 mil. Temos, portanto, o dobro de carga de trabalho para cada professor.

Aumentar o número de vagas sem contratar mais professores não é tapar um buraco cavando outro? ¿ Ampliar o número de vagas foi necessário mesmo, principalmente por meio da criação dos cursos noturnos de licenciatura, que formam professores para os quadros dos ensinos fundamental e médio. Não tivemos a contrapartida necessária do governo, ou seja, a contratação de mais professores e continuamos lutando por isso, mas a greve não é a forma correta de brigar. Precisamos do apoio da sociedade nessa luta. E não é paralisando as atividades que vamos conseguir isso. A universidade tem de ser o lugar mais vivo da cidade. E é. Isso aqui pulsa quando tem aluno. Mas com a greve, fica isso aí, esse marasmo. Dá vontade de chorar.

Qual é o custo financeiro da greve para a UnB? ¿ Cada aluno custa por mês R$ 1 mil para a universidade. São 25 mil alunos. O prejuízo é de R$ 25 milhões por mês de greve. Não é pouco dinheiro. Dá quase R$ 1 milhão por dia de paralisação.