Valor Econômico, v. 20, n. 4836 13/09/2019. Brasil, p. A2

Indicado a ONU sugere ligação de crise das queimadas com acordo com UE

Renan Truffi 


 

Indicado pelo governo Jair Bolsonaro para chefiar a missão brasileira na Organização das Nações Unidas (ONU), o diplomata Ronaldo Costa Filho sugeriu ontem, em sabatina no Senado, que denúncias de queimadas ou desmatamento na Amazônia surgiram coincidentemente, ao longo dos últimas anos, sempre que estavam avançadas as negociações para o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Na avaliação de Costa Filho, isso é uma “reação natural” porque a  agricultura europeia “teme com grande vigor” o potencial da agricultura brasileira.

“Nos últimos sete anos, de 2011 a 2018, eu fui negociador-chefe do Brasil para as negociações comerciais do Mercosul. Ao longo desses anos todos, não foi uma vez, não foram duas, foram inúmeras vezes que, em qualquer sinal de progresso da negociação, de que a coisa parecia que ia avançar, surgia uma crise ou uma denúncia de desmatamento da Amazônia, de que o gado está derrubando a floresta amazônica por agricultores inescrupulosos", contou. “Isso é uma reação natural, ninguém gosta de concorrência. A agricultura europeia teme com grande vigor o potencial da agricultura brasileira. Este é um dado. O temor é grande”, afirmou ao senadores.

A defesa foi feita durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, responsável por aprovar ou não indicações para embaixadas. Após algumas horas de perguntas, ele foi aprovado pelos integrantes da comissão e, agora, precisará  ter seu nome chancelado também no plenário da casa.

Ronaldo Costa Filho foi a solução encontrada pelo governo Jair Bolsonaro para substituir o diplomata Mauro Vieira, que ocupava a missão brasileira no órgão até então. Como Bolsonaro deve discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU, no fim de setembro, em Nova York, o governo trabalhava para conseguir trocar rapidamente o dono do cargo.  Vieira foi ministro das Relações Exteriores no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) e a presença dele era considerada incômoda por integrantes do Palácio do Planalto

Já na sabatina, o novo indicado para o posto mostrou estar alinhado à visão governista. Segundo o diplomata, a crise das queimadas na Amazônia foi “mais intensa” desta vez porque envolveu um chefe de Estado, no caso o presidente francês, Emmanuel Macron. “A qualquer momento, essa denúncia ia surgir. Foram 'n' vezes. Nós sempre reagimos ignorando. Desta vez, a coisa foi um pouco mais intensa porque surgiu em nível de chefe de Estado, e aí não é algo que se possa varrer para debaixo do tapete.”

Ainda sobre o assunto, Ronaldo Costa Filho minimizou o aumento das queimadas neste ano, como alertado por órgãos de controle nos últimos meses. Na avaliação do diplomata, isso é algo que está no “padrão” do que “acontece todo ano”.

“Tenho procurado entender um pouco a dimensão do problema e nada que eu li me indica que é algo fora do padrão do que acontece todo ano de queimadas. Os números, ano a ano, sobem ou caem. No longo prazo há uma queda importante no desmatamento, mas as queimadas estão acontecendo neste ano talvez de forma mais intensa, mas não só no Brasil, não só na Amazônia. Temos queimadas de grande magnitude na África e até na Sibéria russa.”