Valor Econômico, v. 20, n. 4836 13/09/2019. Política, p. A13

Dodge pede proteção à democracia brasileira

 Mariana Muniz
 Luísa Martins 

 

Em sua última sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) como procuradora-geral da República, Raquel Dodge fez, ontem, um alerta ao que chamou de “pressão sobre a democracia liberal” e pediu “proteção” à democracia brasileira. O mandato dela termina no dia 17.

“Quero lhes fazer um pedido muito especial, que também dirijo à sociedade civil e a todas as instituições: protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida, em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sob o norte de que é o melhor modelo para construir uma sociedade de mais elevado desenvolvimento humano”, disse Dodge aos ministros do Supremo. 

Segundo ela, há uma tendência mundo afora, inclusive no Brasil, de “vozes contrárias ao regime de leis” e ao “respeito aos direitos fundamentais”.

“Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias”, afirmou.

Dodge disse que os “muitos desafios atuais” exigem do Ministério Público independência e força - conquistadas a partir de “controles internos”.

Para marcar a despedida, o ministro do STF Celso de Mello fez um forte discurso em favor da independência do Ministério Público Federal (MPF), salientando que o órgão “não serve a governos, pessoas ou grupos ideológicos”.

A fala foi interpretada dentro da Corte como um recado direto do decano ao presidente Jair Bolsonaro, que ignorou a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) seguida desde 2003 ao escolher o novo procurador-geral da República, Augusto Aras.  “O Ministério Público não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República”, disse.

Para ele, o MP “não deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja ou instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias”.

O ministro disse que “não há salvação” fora da ordem democrática. Esse trecho foi compreendido como uma resposta ao que disse, no Twitter, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O filho do presidente afirmou que “por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”.

O ministro citou que o MP tem obrigação de proteger “grupos minoritários do desprezo de autoridades preconceituosas”. Entre eles, disse o decano, estão “os povos da floresta e os filhos da natureza, injustamente degradados pela avidez predatória dos que, criminosamente, transgridem a consciência moral, a solidariedade social e a Constituição Federal". 

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, também falou. "Sem um Ministério Público forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção, os valores democráticos e republicanos propugnados na Constituição de 1988 estariam permanentemente ameaçados", afirmou.