Título: Chávez tumultua reunião e irrita Lula
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 01/10/2005, País, p. A5

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, quase impediu a aprovação consensual da ''Declaração Presidencial de Brasília'' - que institucionaliza a Comunidade Sul-Americana das Nações (Casa), já preparada pelos chanceleres dos 12 países - num final tumultuado da 1ª Reunião de Cúpula dos chefes de Estado do continente. Para surpresa geral, criticou o teor da declaração, por ser ''burocrática, sem metas e prazos definidos'', além de não conter as sugestões ''concretas'' que ele fizera, em carta assinada também pelo presidente uruguaio, Tabaré Vasquez. Chávez conseguiu irritar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

- A prevalecer a posição de Chávez, vamos sair daqui paralisados como chegamos - reagiu Lula.

O presidente venezuelano acabou por concordar em aderir ao principal documento da Cúpula, depois de Lula ter prometido que, como novo presidente ''pró-tempore'' da Comunidade, promoverá reuniões para a aprovação, num prazo de 90 dias, das diretrizes sugeridas por Chávez num ''plano estratégico'' que, segundo ele, não contém ''apenas boas intenções''.

Não adiantou o chanceler Celso Amorim ter tentado explicar a Chávez, em castelhano, que o documento final da Cúpula era uma ''declaração política'' de conteúdo ''concreto'', e não um tratado. O presidente venezuelano disse aceitar a proposta de Lula, mas insistiu em dizer que a ''Carta de Brasília'' não ''institucionalizava a Casa''.

A 1ª Reunião de chefes de Estado da nova comunidade - criada em dezembro do ano passado, em Cuzco - começou com discursos formais do até então presidente pró-tempore, Alejandro Toledo, do Peru, e do presidente Lula, às 9h30, e estava prevista para ser encerrada às 13h. Durou seis horas (sem interrupção nem para um lanche), porque os presidentes presentes (oito dos 12), os vice-presidentes e ministros que representavam os chefes de Estado ausentes, não seguiram à risca os dez minutos previstos para cada um na reunião de trabalho, que foi assistida pela imprensa, em telões instalados no anexo do Itamaraty.

Só o presidente Hugo Chávez - em sua primeira intervenção - gastou 40 minutos de seu tempo para afirmar, entre outras coisas, que ''os grandes projetos não nascem das cúpulas, mas dos povos''. Aproveitou para atacar o neoliberalismo, os Estados Unidos, como o ''verdadeiro país-terrorista do mundo'', e para elogiar os projetos sociais de saúde e educação em curso no Peru, com a ajuda de Cuba.

Com os ânimos serenados, no fim da reunião, o presidente Lula concordou com Chávez sobre a necessidade de os chefes de Estado debaterem com mais profundidade, os documentos elaborados por seus chanceleres. E deu uma alfinetada no presidente argentino, Néstor Kirchner, que só veio para o jantar de anteontem no Itamaraty, e retornou a Buenos Aires ontem de manhã, deixando para representá-lo na cúpula o vice-chanceler.

- Não é a primeira vez que surge uma polêmica em debates como esse. Às vezes, uma reunião dessas começa com 12 presidentes e termina com quatro - ironizou Lula.