Valor Econômico, v. 20, n. 4911, 03/01/2020. Opinião, p. A9

As reformas em 2020

Armando Castelar Pinheiro


Logo no início do governo Bolsonaro, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicitou sua estratégia em relação às reformas que necessitam de aprovação do Congresso: de início, focar exclusivamente em estabelecer novas regras para a Previdência Social, para, depois, dar a partida no resto da sua extensa pauta de propostas.

Em certo sentido, essa estratégia deu certo: depois de mais de dois decênios de tentativas, em 2019 finalmente se aprovou a reforma da Previdência, indo mais longe nas mudanças do que a maioria dos analistas considerava possível. Isso sem que o governo tivesse em qualquer momento estabelecido uma significativa base de apoio no Congresso. Pelo contrário, o presidente da República não apenas comprou brigas desnecessárias com os congressistas, como em vários momentos parecia jogar mais contra do que a favor da reforma.

Acabou que o ano passado foi quase integralmente consumido nessa primeira etapa do programa de reformas, restando para 2020 dar a partida no restante da pauta. E não faltam temas: há diferentes propostas de reforma tributária em discussão no Congresso, o governo propôs um conjunto de emendas à Constituição voltadas para aprofundar o programa de ajuste fiscal, e há uma lista de empresas que o ministro quer privatizar, para o que seria necessário ter aval do Congresso. Isso sem falar de nova rodada de reforma trabalhista e a aprovação do acordo Mercosul-União Europeia.

Há um certo consenso de que em 2020 a agenda de reformas voltará a avançar. Mas quão significativo será esse avanço? Aqui há duas visões bem distintas.

De um lado há quem esteja bastante otimista, acreditando que o sucesso com a reforma da Previdência foi apenas um sinal de uma transformação mais ampla. Nessa visão, a sociedade mudou, hoje acredita que é preciso mudar para o país voltar a crescer e a qualidade de vida melhorar, e para isso deu aos políticos um mandato para fazerem as transformações necessárias. Para os que se alinham com essa visão, não apenas 2020, mas uma boa parte da próxima década serão marcados pela aprovação de significativas reformas. O país estaria fadado a mudar para melhor.

De outro lado, há os que enxergam na reforma da Previdência a exceção, e não o novo padrão. Isso porque essa foi uma reforma muito discutida ao longo do tempo, com muito do trabalho de convencimento tendo sido feito por governos anteriores, em especial o de Michel Temer. Em especial, a mídia abraçou com tudo essa reforma, explicando-a para o eleitor e dessa forma facilitando muito a decisão dos congressistas.

Não se observa um processo semelhante com relação às outras reformas. No que tange à tributária, até o momento sequer se conhece a proposta do governo, que ora defende e ora abandona a ideia de se voltar com a CPMF. E diferentes setores econômicos seguem brigando a favor ou contra as distintas propostas. Em relação às PECs do Plano mais Brasil, enviadas ao Senado Federal no final do ano passado, o problema maior me parece ser a sua abrangência e, em certo sentido, complexidade. É difícil que nesse estado a mídia dê a essas reformas o mesmo apoio que deu à da Previdência.

Há ainda, nessa segunda visão, dois fatores mais conjunturais que vão atrapalhar a aprovação de reformas. Um é que, com a recuperação cíclica da economia em 2020, a sensação de urgência em avançar com as reformas diminui. O outro é o receio de que alguma dessas reformas detone uma onda de protestos semelhantes aos que se vê mundo afora, em especial em outros países da América do Sul.

Exatamente porque ninguém até agora entendeu bem o que leva a esses protestos, a chance de paralisação é tão grande. Propostas como tributar os desempregados para financiar programas de primeiro emprego, ou que focam em reduzir a carga de trabalho e a remuneração de servidores públicos, são exemplos de medidas que podem, quem sabe, detonar protestos que depois venham a despertar insatisfações mais profundas, como com a falta de emprego, a má distribuição de renda etc. Para que arriscar, se as coisas estão melhorando para todos mesmo sem as reformas?

Eu me alinho mais com o segundo tipo de visão. Acho que a retomada do crescimento, calcada no avanço da demanda doméstica, vai gerar aumento de confiança e uma onda de otimismo que será o novo mantra nacional na economia. É dizer, governo, mídia e empresas vão abraçar a narrativa de que agora a coisa vai, porque isso lhes interessa, deixando de lado o discurso, até certo ponto antagônico, de que as reformas são essenciais para que o país volte a crescer.

Vai funcionar? Depende muito do que vai ocorrer com o investimento privado. Minha leitura é que esse não volta ao patamar pré-recessão sem novas reformas, pois sem elas o crescimento não se sustentará a médio prazo. E nem o empresário nacional, nem o investidor estrangeiro, tenderão a embarcar em uma recuperação cíclica que pode durar apenas um par de anos.

Mas, vamos torcer. Um feliz 2020 para todos!

Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ e escreve quinzenalmente neste espaço. Twitter: @Acastelar.