Valor Econômico, v. 20, n. 4950, 29/02/2020.
Brasil, p. A2
BC ganha tempo para avaliar o
coronavírus
Alex Ribeiro
Muita coisa aconteceu desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central divulgou a sua avaliação de que o novo coronavírus tem efeito potencial
ambíguo para a política monetária, com possíveis vetores tanto altistas
quanto baixistas para a inflação. O vírus se espalhou para outras regiões do
mundo, o dólar subiu para cerca de R$ 4,50, a cotação de commodities caiu e o
Federal Reserve (Fed) deu sinais de que poderá cortar os juros. No Brasil, por
enquanto a autoridade monetária se mantém em silêncio, o que significa que
segue válida a sua mensagem de política monetária. Ela é atual e aberta o
suficiente para lidar com as mudanças no cenário. O “forward guidance” de
interrupção do ciclo de baixa de juros é condicional à evolução do cenário econômico.
Na ata de sua reunião de fevereiro,
o Copom disse que o coronavírus importa para a política monetária pelo seu
possível impacto na inflação, e, portanto, não na taxa de câmbio. Os
pronunciamentos recentes do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e do diretor
de Política Econômica, Fabio Kanczuk, mostram que ambos adotam a cartilha
básica do regime de metas de inflação para reagir a choques como esses.
Isto é, acomodar eventuais efeitos primários na inflação e combater os
possíveis efeitos secundários, que se manifestam sobretudo nas expectativas de
inflação.
Banqueiros centrais de todo o mundo
têm adotado uma postura de cautela na leitura dos impactos econômicos do
coronavírus, por isso é natural que o BC brasileiro procure ganhar tempo antes
de tirar uma conclusão. Antes de o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmar na
sexta-feira que estava pronto para agir, vários membros do comitê
de política monetária americano disseram que é preciso esperar mais dados
para tirar uma conclusão. O banco central americano tem mandato duplo, de
inflação e atividade, e os impactos do coronavírus por enquanto são mais claros
na atividade do que na inflação. A queda da atividade industrial na China,
medida pelo PMI, foi a maior da história.
Com meta apenas na inflação, a
presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que precisa
de mais dados para avaliar a crise. O BC da Coreia do Sul, que sofreu mais cedo
os impactos do coronavírus, decidiu manter inalterados os juros na semana
passada.
No Brasil, economistas do setor
privado ainda estão divididos sobre o impacto do coronavírus, com parte vendo
claros impactos deflacionários, parte, neutros, e parte, altistas. Mas, de
forma geral, o que se vê são analistas muito confusos em fazer apostas definitivas
para a inflação e a taxa de juro. “Ninguém tem a máquina que sabe calcular o
impacto do coronavírus na inflação”, diz um especialista.
O coronavírus afeta a atividade por
vários canais, mas nem todos são deflacionários. Ajudam a puxar os preços para
baixo o menor crescimento mundial, a queda das exportações e o enfraquecimento
da confiança de empresários e consumidores. Mas a quebra de
cadeias globais pode ter efeitos em duas direções: de um lado, torna
ociosos fatores de produção e, de outro, representa uma restrição de oferta na
economia.
O coronavírus se transmite para a
inflação por meio de outros canais, sobretudo a taxa de câmbio. O repasse
cambial implícito nas projeções de inflação do BC é de 5%, porém na prática tem
ficado abaixo disso. Economistas têm alertado, por outro lado, que o repasse
não costuma ser linear. Alguns analistas argumentam que, hoje, a capacidade
ociosa da economia é mais estreita - tese defendida por alguns membros do
Copom na reunião de fevereiro - e afeta o coeficiente de repasse. Se a cotação
do dólar subir muito e rapidamente, o impacto poderá ser maior. Cortes de juros
nesse momento de incerteza poderiam potencializar a desvalorização do real.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes
Filho, da Ativa Investimentos, é um dos que veem um impacto claramente
desinflacionário do coronavírus. Por isso, aposta não apenas em novos cortes de
juros, mas em mudanças na comunicação do Banco Central para assegurar uma menor
inclinação da curva de juros futuros. Ele nota que o preço das commodities está
caindo perto de 15%, mais forte do que a desvalorização cambial.
"Os combustíveis, em reais, estão mais baratos”, exemplifica o
economista, responsável pelo Termômetro da Inflação. De fato, na sexta a
Petrobras cortou os preços do diesel nas refinarias em 5% e os da gasolina em
4%. Gomes Filho está baixando a sua projeção de inflação deste ano para 2,9% e
do próximo ano para 3,5%.
O que importa para a política
monetária é o chamado impacto secundário - ou seja, o quanto esse choque poderá
se perpetuar. Isso ocorre, em geral, quando há uma desancoragem das
expectativas de inflação para prazos mais longos. O ponto de partida, ainda
bem, é favorável. A inflação corrente está bem abaixo da meta, com
projeções de mercado em 3,2% para este ano, ante uma meta de 4%. A
inflação corrente é um dos principais determinantes das expectativas. Nas
últimas semanas, havia vários sinais antecedentes de que em breve a expectativa
de inflação para 2021 também cairia abaixo da meta, de 3,75%. Em fins de
janeiro, 20% dos analistas econômicos já projetavam índices abaixo desse
percentual.
A questão, porém, é como as
expectativas de inflação vão se comportar daqui por diante. Hoje, o Banco
Central divulga um mapa mais atualizado da dispersão das expectativas, que já
vai pegar os primeiros efeitos do coronavírus. As inflações implícitas do
mercado, que Campos Neto costuma citar com frequência, já apontam índice
entre 3,3% e 3,5% para 2021.
Economistas de linha mais
conservadora argumentam que as expectativas de inflação estão se comportando
bem até agora justamente porque o Banco Central adotou uma postura de
política monetária mais austera, sinalizando uma interrupção do ciclo de
corte de juros a partir deste mês. Em momentos de incerteza, como o atual,
costuma haver uma dispersão das projeções. Se o BC tivesse sinalizado a
continuidade dos cortes de juros, a curva estaria precificando muito mais
estímulos - e o risco de desancoragem seria maior tanto nas expectativas de
mercado quanto na inflação implícita.
Alex Ribeiro é repórter especial e
escreve quinzenalmente
E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br