Valor Econômico, v. 20, n. 4950, 29/02/2020. Internacional, p. A14

Cresce o risco de vírus levar economia global à recessão

Chris Giles
Robin Harding
Brendan Greeley
Martin Arnold 


Os problemas causados pela epidemia de coronavírus que se originou na China e agora se dissemina pelo resto do mundo vêm deixando a economia mundial mais perto de uma recessão e gerando mais pressões por intervenções fiscais e monetárias.

A Capital Economics reduziu sua previsão de crescimento mundial em 0,4 ponto percentual, para 2,5% em 2020, no que o Fundo Monetário Internacional (FMI) já consideraria um terreno recessivo. Mas, segundo Jennifer McKeown, chefe de análises econômicas da Capital Economics, se o coronavírus se tornar uma pandemia, o que já aconteceu segundo alguns epidemiologistas, o impacto “poderia ser tão ruim quanto o de 2009, quando o PIB mundial caiu 0,5%”.

As previsões da chefe do FMI, Kristalina Georgieva, há uma semana, de que o crescimento mundial poderia ser de 3,2% em 2020, sofrendo um impacto negativo de apenas 0,1 ponto percentual, já parecem ultrapassadas. Em Paris, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgará hoje previsão preliminar, levando em conta abalo maior do que o previsto pelo FMI, e uma projeção para um cenário de “consequências mais graves”.

Uma recessão mundial na primeira metade deste ano “de repente parece uma possibilidade distinguível”, disse Erik Nielsen, economista-chefe do UniCredit.

A questão para as autoridades econômicas é o que fazer diante do aumento das pressões para que tomem medidas preventivas para estimular a economia. Alguns têm argumentado que o coronavírus representa um choque de oferta da economia, por ter removido trabalhadores de seus locais de trabalho e privado fábricas de componentes, o que tornaria os estímulos econômicos ineficazes. “[Como o coronavírus] é um puro choque de oferta não há muito que possamos fazer”, disse Jon Cunliffe, vice-presidente do Banco da Inglaterra.

Estudo sobre uma hipotética pandemia mundial de gripe feito por professores da University of Oxford estimou que o fechamento de escolas por quatro semanas - como o que ocorreu no Japão - iria derrubar a produção anual em 0,6%, já que os pais teriam que ficar mais tempo fora do trabalho para tomar conta das crianças.

Em estudo de 2006, Warwick McKibbin e Alexandra Sidorenko, da Australian National University, estimaram que uma pandemia mundial de gripe entre moderada e grave, com taxa de mortalidade de até 1,2%, iria derrubar até 6% do PIB das economias avançadas no ano da epidemia.

A justificativa para tomar medidas é “evitar que interrupções na oferta desencadeiem uma espiral negativa”, em que a queda na oferta leva a uma queda nos gastos, disse Roger Farmer, professor de economia na UCLA.

A política fiscal também pode ajudar a pagar pelas intervenções médicas necessárias e aumentar a demanda, enquanto a política monetária pode manter a demanda alta e tentar evitar problemas financeiros entre empresas endividadas, segundo Olivier Blanchard, pesquisador sênior no Peterson Institute.

Há sinais de que governos e bancos centrais estudam medidas mais fortes. Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Jay Powell, sinalizou na sexta-feira que a instituição estuda cortar as taxas de juros em resposta à “evolução dos riscos” à economia pela disseminação do coronavírus.

O Departamento do Tesouro dos EUA, por sua vez, mostra-se relutante em comentar os riscos ao crescimento representados pelo vírus, quanto mais em comprometer-se a algum tipo de resposta. Em teleconferência com repórteres antes do comentário de Powell, uma autoridade do Departamento do Tesouro disse que o resultado mais provável ainda teria a forma de “V” - impacto de vida curta, contido dentro de um trimestre, seguido por forte recuperação.

Mesmo antes de o coronavírus ter começado a afetar a economia mundial, a região do euro já havia se desacelerado para seu menor crescimento desde a crise dos títulos de dívida soberanos do bloco econômico. Agora, com a doença tendo chegado à Europa, economistas trimestre, seguido por forte recuperação.

Mesmo antes de o coronavírus ter começado a afetar a economia mundial, a região do euro já havia se desacelerado para seu menor crescimento desde a crise dos títulos de dívida soberanos do bloco econômico. Agora, com a doença tendo chegado à Europa, economistas temem mais problemas nas cadeias produtivas, no comércio exterior e no turismo.

A Comissão Europeia reservou € 232 milhões para ajudar a conter a doença. A Itália - pais europeu mais atingido pelo coronavírus - anunciou um pacote de estímulo de € 3,6 bilhões e ressaltou que vai pedir autorização a Bruxelas para ter um déficit maior no orçamento deste ano.

O Banco Central Europeu (BCE) ainda não sinalizou nenhuma intervenção iminente. Na semana passada, sua presidente, Christine Lagarde, disse que a epidemia ainda não estava no estágio em que teria um impacto duradouro na inflação e exigiria uma reação da política monetária. O banco central, cujo próximo encontro de política monetária está marcado para 12 de março, projeta que o crescimento da região do euro vai desacelerar-se para 1,1% em 2020, em comparação ao 1,2% observado em 2019. Para 2021, prevê uma recuperação, com crescimento de 1,4%.

O Japão foi atingido pelo coronavírus bem no momento em que o governo estava empenhado em adotar um novo pacote de estímulos para ajudar a mitigar o impacto negativo do aumento de um imposto sobre o consumo.

A maioria dos analistas já previa uma recessão técnica depois que o aumento no imposto havia levado a um declínio de 6,3% na produção do quarto trimestre de 2019 na comparação anual.

Até recentemente, no entanto, a suposição generalizada era a de que haveria pouco risco de que o Japão sofresse uma verdadeira queda na demanda. “Não houve nenhuma grande mudança em nossa expectativa de crescimento sutil da economia japonesa”, disse o presidente do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, em entrevista coletiva depois do G-20 do fim de semana passado.

Se houver um grande impacto na demanda, o banco central japonês teria pouco espaço para reagir, já que a taxa de juros de um dia está em 0,1% negativo e o rendimento dos bônus governamental de dez anos está em zero. A instituição poderia reduzir ainda mais os juros ou aumentar as compras de ativos, mas avalia que isso traria poucos benefícios e certos custos para a estabilidade financeira.

Isso deixa a política fiscal como principal ferramenta para agir. Mas o governo acaba de preparar uma lei orçamentária suplementar para o ano fiscal que se encerra em março de 2020 e é provável que levaria meses antes de considerar novas medidas.