Valor Econômico, v. 20, n. 4838 17/09/2019. Política, p. A9

Plenário do Supremo não deve analisar inquérito das ‘fake news’

 Luísa Martins
 Isadora Peron 


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, não deve levar ao plenário da corte a análise da legalidade do “inquérito das fake news”, aberto em março deste ano por sua iniciativa, antes da conclusão da investigação, com prazo final previsto para janeiro. O inquérito foi instaurado para apurar casos de ameaças contra ministros da Corte e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) pediu a sua suspensão. Relator da demanda, o ministro Edson Fachin pediu preferência para que o quórum completo do tribunal julgue o pedido, mas Toffoli não deve pautar o tema.

Em 1º de agosto, o ministro Alexandre de Moraes - escolhido nominalmente por Toffoli para relatar a investigação, quando a praxe é haver um sorteio - prorrogou as diligências por mais 180 dias, isto é, até meados de janeiro. Antes disso, o presidente não estaria inclinado a pautar o processo, segundo fontes ouvidas pelo Valor.

Isso porque, de acordo com essas fontes, houve uma diminuição expressiva, estimada em quase 80%, no número de ataques ao Supremo pelas redes sociais - o que reforça a hipótese de que as ameaças eram publicadas por bots, robôs da internet que simulam ações humanas.

Foi no âmbito desse inquérito que Moraes impôs censura à reportagem da revista Crusoé, segundo a qual Toffoli era conhecido como “amigo do amigo do meu pai” nos e-mails internos da Odebrecht. O relator também expediu mandados de busca e apreensão nas casas de internautas que publicaram em suas redes sociais textos considerados ofensivos a membros da Corte. Sua mais recente decisão foi a suspensão de procedimentos investigatórios da Receita Federal e o afastamento temporário de dois auditores fiscais.

O inquérito tramita em segredo de Justiça, mas o Valor apurou que a maioria dos envolvidos nos ataques pelas redes sociais é formada por cidadãos comuns, sem foro especial no Supremo. Portanto, as apurações relacionadas a esses suspeitos vêm sendo desmembradas por Moraes e encaminhadas pelo relator às Justiças Federais, para a continuidade das investigações.

Nas instâncias inferiores, contudo, os procedimentos têm encontrado resistência por parte do Ministério Público Federal (MPF). Há pelo menos dois casos em que o órgão pediu o engavetamento das investigações.

Em São Paulo, os procuradores destacaram que o inquérito traz vícios de origem, pois, desde que foi aberto, não contou com qualquer participação do MPF - órgão a quem a Constituição Federal atribui o poder de acusação. “Inconcebível que um membro do Poder Judiciário acumule os papéis de vítima, investigador e julgador”, escreveram, sobre a atuação de Moraes.

Pelas mesmas razões, o MPF em Pouso Alegre (MG) também solicitou o arquivamento de uma investigação contra um cidadão suspeito de difamação e de violação à Lei de Segurança Nacional.

O procurador Lucas Gualtieri avaliou que o inquérito do qual essa apuração derivou “é absolutamente nulo”, pois tem por objeto “fatos indeterminados, sem delimitação temporal, geográfica ou circunstancial”.

Ainda que considerasse a investigação válida, o procurador diz que as expressões utilizadas pelo internauta, “embora deseducadas e até grosseiras, não refletem um contexto de ataque deliberado à honra dos agentes públicos, senão o ânimo de criticar a conduta funcional dos mesmos, o que exclui a tipicidade do crime contra a honra”.

As manifestações alinham-se ao que vem defendendo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, desde que a investigação foi aberta. Ela já recorreu ao Supremo pela nulidade do procedimento.

“Diversas medidas cautelares foram determinadas sem que fosse facultada manifestação à PGR. Há uma peculiaridade agravante: o ministro relator é potencial vítima dos fatos investigados. Não há como imaginar situação mais comprometedora da imparcialidade e neutralidade dos julgadores”, escreveu.