Título: Amigos e sequazes
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2005, País, p. A2

A CPMI dos Correios ultrapassou ontem o Rubicão, ao aprovar a abertura dos discos rígidos dos computadores apreendidos nos escritórios do banqueiro Daniel Dantas. Recolhidos à Polícia Federal, estavam protegidos pela Justiça, em nome do sigilo bancário. Como a CPI tem poder para isso, sua decisão terá que ser imediatamente cumprida. No momento da votação do requerimento, houve nervosa reação dos oposicionistas, alguns de notórias ligações com Dantas. Eles sabem que foi transposto o ponto de não retorno. Se tais discos não se encontram vazios, como vazio estava o famoso cofre de Marcos Valério, deles surgirão provas importantes para explicar por que Dantas pôde crescer tanto sob o consulado do PSDB e do PFL. Os registros poderão explicar suas relações privilegiadas com o governo chefiado pelo Fernando Henrique Cardoso. Não ficaram nisso os êxitos da Comissão ontem. Com a abertura do sigilo bancário de 11 corretoras, será possível rastrear as atividades dos grandes doleiros. Foi também aprovado o pedido da lista de investidores no Opportunity Fund às autoridades das Ilhas Cayman. De acordo com a lei, as pessoas físicas brasileiras não podem investir nessa modalidade de fundos no exterior - mas há suspeitas de que Dantas tenha violado a proibição.

Todos esses arquivos poderão abrir caminho aos grandes segredos do Banco Central. A provável reabertura da CPI do Banestado, os registros dos grandes doleiros, mais as atividades do Opportunity, mostrarão até que ponto houve a cumplicidade da instituição em todas essas atividades danosas ao Brasil.

O Banco Central tem sido acusado de negligência no acompanhamento das atividades bancárias no país. Não têm sido poucos os bancos que vão à falência fraudulenta, dando imensos prejuízos ao povo, uma vez que o Banco Central neles intervém para garantir os créditos de terceiros. Como foram possíveis as operações do Banco Rural com Marcos Valério, sem que delas tivesse conhecimento o Banco Central? E o que dizer das contas fantasmas do Banco Nacional?

No caso da evasão de divisas pela fronteira de Foz de Iguaçu, ficou claro que o Banco Central fora o principal responsável, ao autorizar aquele tipo de operações, mediante simples portaria. Talvez pressentindo que as investigações chegarão ao edifício negro da Quadra das Autarquias, Paulo Bernardo, com o apoio declarado do ministro Palocci, quer ajudar o PSDB e o PFL a aprovar a imediata autonomia do Banco Central. No momento em que essa autonomia for obtida, se o governo Lula arriscar-se a tanto, a caixa preta do Banco Central estará selada para sempre. Jamais o Brasil conhecerá, em suas devidas dimensões, o que tem sido o conluio das autoridades econômicas com os grandes bancos nacionais e estrangeiros.

Os segredos de Daniel Dantas são os segredos dos seus sócios e amigos, Pérsio Arida, André Lara Resende, Luís Carlos Mendonça de Barros, e tantos outros "magos" do mercado de capitais. E todos esses segredos poderão ser desvendados no momento em que a caixa preta do Banco Central for aberta. Conforme os achados nos registros de Dantas, provavelmente o Congresso irá, como o mais alto poder da República, exigir investigação exaustiva nos arquivos da instituição.

É sempre bom relembrar o passado, como nesse diálogo em favor de Daniel Dantas, gravado durante a privatização das teles:

Luís Carlos Mendonça de Barros a André de Lara Resende: "Temos que fazer os italianos na marra, que estão com o Opportunity. Combina uma reunião para fechar o esquema. Eu vou praí as seis e trinta e às sete horas a gente faz a reunião. Fala para o Pio que vamos fechar, daquele jeito que só nós sabemos fazer". Luís Carlos Mendonça de Barros a Ricardo Sérgio, diretor do Banco do Brasil: "Está tudo acertado, mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?" Ricardo Sérgio a Mendonça de Barros: "Acabei de dar. Dei para a Embratel e 874 milhões para o Telemar. Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade".

Mendonça de Barros ao presidente Fernando Henrique: "A imprensa está muito favorável com os editoriais". FHC a Mendonça de Barros: "Está demais, né? Estão exagerando, até".