Valor Econômico, v. 20, n. 4838 17/09/2019. Finanças, p. C1

Disparada do petróleo agita mercados em semana de decisão de Fed e Copom

  Lucas Hirata
  Gabriel Roca
  André Mizutani
  Rafael Vazquez


 

Em uma semana de importantes decisões de política monetária pelos BCs de Estados Unidos e Brasil, mais um fator de risco entrou no radar. O ataque contra a maior instalação de processamento de petróleo do mundo, na Arábia Saudita, deixa claro que o imponderável está à espreita. A ofensiva só aumenta a lista de ameaças que as autoridades monetárias terão de levar em consideração em seus esforços para salvar uma economia global já fragilizada pela disputa comercial entre Washington e Pequim.

No mercado financeiro, a piora do quadro geopolítico exigiu uma análise detalhada dos investidores para avaliar se o evento aumenta o risco de recessão e o potencial ganho de alguns ativos num ambiente de petróleo em alta. Nesse cenário, a perda das bolsas globais ontem foi relativamente contida, justamente por causa do peso e da liquidez das ações ligadas ao petróleo, que acompanharam a firme valorização da commodity.

Os contratos futuros para novembro do Brent, referência global da commodity, fecharam o dia em alta de 14,6%, a US$ 69,02 o barril, na ICE, em Londres. Os preços da referência americana, o WTI, subiram 14,67% - a maior alta diária em mais de uma década - e terminaram a sessão a US$ 62,90 o barril na Bolsa de Mercadorias de Nova York.

“Os bancos centrais provavelmente examinarão os impactos inflacionários dos preços mais altos do petróleo, mas o risco geopolítico, adicionado a um cenário de crescimento econômico já frágil, deve ser considerado”, afirmou Kerry Craig, estrategista global do J.P. Morgan, à “Dow Jones Newswires”.

Em Wall Street, o setor de energia se destacou na ponta positiva do S&P 500, com alta de 3,29%. Por outro lado, as ações das companhias aéreas estiveram entre as mais prejudicadas. A United Airlines, listada na Nasdaq, caiu 2,84%, enquanto a American Airlines perdeu 7,28%. As ações de Delta Airlines, por sua vez, recuaram 1,57%. Neste equilíbrio fino, o índice S&P 500 fechou em queda de 0,31%, aos 2.997,96 pontos, enquanto o Nasdaq caiu 0,28%, aos 8.153,54 pontos. Já o Dow Jones interrompeu uma sequência de oito altas e perdeu 0,52%, aos 27.076,82 pontos.

Em Wall Street, o setor de energia se destacou com alta de 3,29%, ficando na ponta positiva do S&P 500.Essa divisão também ficou clara no mercado de moedas. Os países exportadores de petróleo, como a Rússia, a Noruega e o Canadá, viram suas divisas se fortalecerem ante o dólar. Por aqui, entretanto, a cotação ficou praticamente no zero a zero, aos R$ 4,0892, alta de apenas 0,05%.

Na bolsa brasileira, o avanço das ações da Petrobras - a PN subiu 4,39%, e a ON, 4,52% - equilibrou a pressão dos bancos e da Vale sobre o Ibovespa. O índice terminou o dia com leve alta de 0,17%, aos 103.680 pontos. O giro financeiro foi intenso e somou R$ 16,3 bilhões.

O efeito nos preços do petróleo pode ser diluído e normalizado com o tempo, mas o ataque na Arábia Saudita acabou gerando um prêmio de risco de difícil aferição, por causa do “severo risco geopolítico” na cadeia petrolífera, afirma o analista Pavel Molchanov, do banco americano Raymond James.  “Esse foi, de longe, o golpe mais forte contra a infraestrutura petrolífera saudita da história moderna e seria inteiramente lógico para quem está por trás do ataque tentar repeti-lo no futuro.”

No sábado, dez drones atacaram a maior instalação de processamento de petróleo do mundo em Abqaiq e o segundo maior campo de petróleo do reinado, em Khurais. O fato deve provocar uma redução de cerca de 6% na produção global da commodity e de 5,7 milhões de barris por dia - mais da metade da produção diária de 9,8 milhões do reino saudita.

O grupo rebelde Houthi, do Iêmen, assumiu a responsabilidade pelos ataques. No entanto, o presidente dos EUA, Donald Trump, e a Arábia Saudita acusaram o Irã de envolvimento com o ataque. O secretário de Defesa americano, Mark Esper, considerou os ataques “sem precedentes” em publicação no Twitter. “As forças armadas dos EUA, nossa equipe de agências, estão trabalhando com nossos parceiros para endereçar este ataque sem precedentes e defender a ordem e legislação internacionais, que estão sendo minadas pelo Irã”.

“Em geral, os preços do petróleo subindo até US$ 80 a US$ 90 por barril têm desempenho líquido favorável para o crescimento global, mas se tornam negativos para a expansão quando vão além desses níveis”, dizem os analistas Abhishek Deshpande e Shakil Begg, do J.P.Morgan.

Logo, a depender da escalada dos preços do petróleo, o risco de uma recessão global só tende a aumentar. Esta é a avaliação da consultoria S&P Global Platts, que alerta e condiciona a ameaça para a economia mundial um avanço muito expressivo dos preços do petróleo, mas pondera que este não é o seu cenário-base.

É nesse contexto que o Federal Reserve (Fed, o BC americano) começa hoje sua reunião de política monetária. Na quarta-feira, o Fed anunciará sua decisão, sob ampla expectativa de corte de 0,25 ponto percentual. No entanto, a chance de manutenção da taxa básica, atualmente no intervalo de 2% a 2,25%, tem aumentado aos poucos nos últimos dias.

Por aqui, a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC será conhecida, também, amanhã. Além do petróleo como protagonista, os temores relativos à perda de fôlego da economia mundial também foram sustentados pela China, cuja a indústria produziu menos do que o esperado em agosto, ao mesmo tempo em que as vendas no varejo e os investimento em ativos fixos também decepcionaram os mercados.

“Essa é a dinâmica que está sendo avaliada pelo mercado”, afirmou Matheus Gallina, da Quantitas, sobre o cenário externo e o movimento das taxas dos juros futuros ontem. Para ele, o comportamento do petróleo “poderia até ser outro fator a ajudar o cenário de juros mais baixos”. Na B3, a taxa do DI para janeiro de 2020 caiu de 5,27% de sexta-feira para  5,22%.